“Ciência e pseudociência – por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar”, é o título do livro escrito pelo professor-doutor da Universidade de Brasília (Unb), que atua no Programa de Pós-Graduação de Psicologia Social, orientando o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à cognição social
Por AD Luna
@adluna1
Em 1997, os integrantes da seita norte-americana Heaven’s Gate (“Portão do Paraíso”) professavam que o fim do mundo estava próximo. Mas, antes que tudo se desintegrasse, eles seriam salvos por uma espaçonave que viria acompanhando o cometa Hale-Bopp.
Para provar à humanidade terrena que o veículo espacial alienígena realmente estava vindo, alguns deles compraram um telescópio que foi apontado em direção ao cometa.
Porém, nenhuma nave foi avistada. Daí você deve ter pensado: “agora que não viram nada, essa gente deve ter abandonado a seita”. Lamentamos informar, mas não foi isso que aconteceu.
Os crentes da Heaven’s Gate voltaram à loja onde adquiriram o telescópio para devolvê-lo e pedir o dinheiro de volta. Ou seja, “concluíram que o problema não estava em sua crença, mas sim no instrumento que não foi capaz de lhes dar a evidência que procuravam.”
A história real está no livro “Ciência e pseudociência – por que acreditamos apenas naquilo em que queremos acreditar”, escrito por Ronaldo Pilati e lançado pela Editora Contexto.
Pilati é professor-doutor da Universidade de Brasília (Unb), atua no Programa de Pós-Graduação de Psicologia Social, orientando o desenvolvimento de pesquisas relacionadas à cognição social.
“Esse campo tem como uma de suas áreas de interesse compreender como as crenças humanas são estruturadas”, explica Pilati, que concedeu entrevista ao Interdependente – música e conhecimento.
Muitas foram as motivações que o levaram a escrever o livro. Algumas delas, segundo ele, bem antigas, que remontam a mais de 20 anos da sua trajetória de formação acadêmica e profissional.
Ouça “Ciência e pseudociência com Ronaldo Pilati – #05” no Spreaker.
Ele cita, por exemplo, o trabalho do astrofísico norte-americano Carl Sagan, idealizador e apresentador do programa de TV Cosmos, autor de vários livros de divulgação cientfíca. Entre eles, “O mundo assombrado pelos demônios” (Companhia das letras), de 1996, no qual Sagan já abordava o perigo do crescimento da irracionalidade e da profusão de explicações pseudocientíficas sobre fenômenos sociais e naturais.
Ainda assim, Ronaldo Pilati avalia que a produção de obras de informação científica, com linguagem mais acessível, precisa ser ampliada. “Junto a isso, sempre vi a necessidade de fazer essa divulgação amparando o raciocínio, a argumentação, a explicação, na compreensão dos princípios de funcionamento da cognição humana”.
Para Pilati, o entendimento dos princípios básicos da cognição humana “também nos ajudam a entender um pouco do porquê que as pessoas confundem, muito facilmente, o que é conhecimento científico com o pseudocientífico”.
Na visão do pesquisador, a distinção sobre os dois campos não é clara para a maioria das pessoas. Inclusive para gente com boa instrução escolar e formação acadêmica.
Não é incomum nos depararmos com conteúdos impressos ou publicados na internet que pautam afirmações e conclusões na ciência. Encontramos muita coisa por aí, com o selo de “cientificamente comprovado”. Mas que elementos devem ser levados em conta para afirmar o caráter científico de algo?
O professor Ronaldo Pilati diz que esse é um dos pontos vitais do livro. Para ele, o critério mais importante para se definir algo como científico é o princípio da “falseabilidade” ou refutabilidade. O conceito foi proposto pelo filósofo da ciência Karl Popper, nos anos 1930. Aliás, Popper também é. talvez, o maior difusor do famoso Paradoxo da Tolerância.
Pseudociência não pode ser refutada, pois não há como se provar falsa em razão da impossibilidade de identificar os agentes que movem determinado processo. Não há possibilidade de confrontá-la com a realidade.
O QUE É COGNIÇÃO?
“Trata-se do mecanismo que o cérebro utiliza para compreender a realidade à nossa volta e para compreender a nós mesmos” – Trecho do livro “Ciência e pseudociência”
Exemplificando. Imagine alguém que diz manter contato com um ser extraterrestre invisível. Não há como refutar, falsear tal afirmação. Ela é infalível, portanto não é científica. Mais um: pense em alguém que diz receber mensagens de Poseidon. A não ser que o receptor consiga fazer com que o deus dos mares apareça e informe como ele estabelece tal comunicação, não há como refutar esse extraordinário fenômeno.
“Afirmações sobre o mundo que não possam ser testadas (ex.: há vida após a morte; o paraíso dos mártires é integrado por 72 virgens; ou o universo foi criado há cerca de dez mil anos por um ser de poder infinito) são infalíveis e, portanto, não científicas”, explica Pilati no livro “Ciência e pseudociência”.
É bom frisar que a obra lembra que a falseabilidade passou por revisões e críticas de outros pensadores da ciência. Mas, ainda assim, é um conceito respeitado.
“Ah, uma hora esses cientistas dizem que alimento X faz mal. Agora me aparecem falando que não é bem assim. Esses caras não se decidem”. Pois é, amigas e amigos, bem-vindos ao mundo das incertezas da ciência.
Ao contrário de sistemas de crenças infalíveis e dogmáticos, a ciência trabalha com incertezas. Determinadas afirmações e conhecimentos estabelecidos podem ser mudados à medida que novos dados e evidências aparecem.
A ciência, ao investigar o mundo, observa que ele está em constante transformação e mudança. Para muita gente, essa transitoriedade pode causar grande desconforto e insegurança.
“Certas características de como o conhecimento científico é feito são de difícil apreensão intuitiva pelas pessoas. Como é o caso das verdades transitórias. Isso é algo complicado de as pessoas assimilarem com facilidade porque a tendência geral humana, como as ciências cognitivas nos apontam, é de buscar compreensões mais estáveis, mais previsíveis”, expõe Pilati.
No “Ciência e pseudociência”, o pesquisador reforça que a crença em sistemas infalíveis, estáveis, traz certo conforto psicológico a quem a ela se devota.
Se você nutre, por exemplo, grande antipatia (ou raiva mesmo) por determinada pessoa, partido político, artista, banda, ex-namorado ou namorada, já se viu correndo para as redes sociais ou aplicativos de mensagem como o Whatsapp, para postar qualquer informação negativa a respeito desses personagens, sem nem checar se ela é verdadeira ou falsa?
O contrário também pode ser dar: você correr para postar algo super lindo e positivo a respeito de algo ou alguém que se gosta, sem ter a preocupação de pesquisar fontes.
Já deve ter acontecido, não é? Isso se chama “viés de confirmação”, um dos muitos vieses cognitivos que fazem parte dos mecanismos que estruturam nossa mente. Tendemos a buscar informações que validem expectativas e preconceitos que carregamos em relação a certas pessoas, temas e objetos.
A ciência, o método científico, pode nos ajudar a não cairmos nessa armadilha da mente humana, como escreve Ronaldo Pilati no seu livro.
“Acreditar naquilo que queremos acreditar significa confirmar as expectativas que já possuímos para explicar a realidade, buscando evidências que as confirmem. (…) O pensamento científico diminui a ocorrência do viés de confirmação, permitindo que não caiamos na situação circular e viciosa de confirmar aquilo em que já acreditávamos. Lembrar-se sempre de que podemos acreditar em algo errôneo é o melhor exercício que podemos fazer para conhecer a realidade”.
A resposta está neste livro do psicólogo e pesquisador Ronaldo Pilati: adquirir uma postura científica de compreensão do mundo.
Nestes tempos de excesso de informações, muitas delas falsas, esta obra serve como um guia para se aprender como avaliar criticamente aquilo que se lê e que se ouve por aí sob o nome de “científico”. Esta obra fará você rever suas crenças. E sua vida. (Texto da Amazon)
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