“Ciência e cultura são tratadas de forma separadas”, critica Elika Takimoto

 “Ciência e cultura são tratadas de forma separadas”, critica Elika Takimoto

A professora e filósofa Elika Takimoto. Arquivo pessoal

 

“No senso comum, há uma noção de que o cientista é quase um robô que está alheio a este mundo, fazendo uma ciência completamente neutra e livre de qualquer influência externa”

 

Por AD Luna
@adluna1

De onde vem a ideia de separação entre a humanidade e a natureza que ainda perdura na mentalidade de muita gente? De que forma povos orientais, africanos, árabes, entre outros, contribuíram para o desenvolvimento da ciência e do conhecimento?

Para tratar desses temas, eu conversei com Elika Takimoto, no programa InterD – música e conhecimento, veiculado na rádio Universitária do Recife FM.

Em uma das respostas, Elika reflete: “Não faz sentido pensar o ser humano separado do Cosmos. Quando exerce ação sobre a natureza, o ser humano muda a si mesmo, a si próprio, ao mesmo tempo em que modifica a natureza externa – seja para melhor ou para pior. É algo uno, a via é de mão dupla sempre”.

Elika Takimoto é doutora em Filosofia pela UERJ, mestre em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia pela UFRJ e escritora. Recentemente, ela lançou o livro “Como dialogar com um negacionista”.

O conteúdo em áudio também pode ser ouvido no podcast InterD – ciência e conhecimento, o qual, como você já deve ter percebido é derivado do programa radiofônico.

Ouça a entrevista no player abaixo e leia a versão em texto, editada com pouquíssimas alterações.

Ouça “Ciência também é cultura? Elika Takimoto no InterD #7” no Spreaker.

Primeiramente, poderia falar um pouco sobre sua ligação com a ciência. O que te fez seguir por esse caminho?

Bom, antes de tudo, obrigada pela pergunta, pela provocação. É muito bacana a gente relembrar, fazer essa viagem ao passado. A minha relação com a ciência é uma relação com a natureza, uma relação que toda criança tem naturalmente.

Você olha e pergunta o porquê das coisas. Toda criança passa por essa fase. Infelizmente, ela termina para muitas pessoas e a minha se estendeu muito. Aliás, diria que se estende até hoje.

Paralelamente à questão da natureza, perguntas como por exemplo: “por que o arco-íris é um arco-íris e não quadrado-íris, por que o céu é azul, por que a panela de pressão cozinha mais rápido?” Essas perguntas que eu vivia fazendo para minha mãe e para o meu pai têm a questão também de lidar com a natureza – que é lidar com nós mesmos.

Essa questão “religiosa”, vamos dizer assim, religiosa com muitas aspas… Porque cada pessoa que me ouve vai compreender religiosidade de alguma forma…

Mas enfim…

Sobre o meu papel no mundo, sobre o que é vida, o que é Deus, sobre o que é Natureza, o que é a relação. Se faz sentido eu falar do ser humano separado da natureza, se é uma coisa só. Todas essas questões sempre estiveram comigo.

Conhecimento é poder

Quando eu tive aula de física na escola, havia um professor que era muito empolgado com essas questões e isso mexeu comigo.

Comecei a querer entender um pouquinho melhor o que era aquilo. E ele falava de uma forma muito empolgada e, hoje, considero muito ingênua, que a física explica tudo.

E aquilo para mim foi muito forte. Porque conhecimento é poder. E eu queria esse poder, queria saber sobre tudo. Quem não quer saber sobre tudo?

E aí foi onde achei que me reconheceria, me encontraria como ser humano, estudando melhor a natureza. E o caminho que encontrei foi a física.

Foram quatro anos de faculdade intensa, 120 pessoas entraram comigo, quatro pessoas somente se formaram.

O índice de desistência naquela época, na UFRJ, era altíssimo na faculdade de física e é até hoje. Mulheres, nenhuma se formando. [Formaram-se] três homens e uma mulher. Eu era a única.

Enfim, respondeu às minhas perguntas, acalmou meu coração? Muito longe disso. Pelo contrário, me deu muito mais dúvidas.

Ciência como parte da cultura

Na faculdade, fiz uma disciplina chamada História da Física e a parte histórica me comoveu muito, porque comecei a ver uma física que não tinha nos livros – nem na graduação da faculdade e muito menos nos livros didáticos do ensino médio.

Uma parte da ciência em que você vê a ciência como um produto de uma cultura, de um tempo, de um tempo histórico.

Aprendi também por que que não tinha mulheres, por que que não havia unidades de grandezas mulheres. A gente tem Newton, Amper, Ohm, Watts. Mas a gente não tem mulher e eu me perguntava sobre isso.

A disciplina História da Física me sinalizou algumas coisas nesse sentido. E aí acabei fazendo mestrado em História da Ciência muito mais tarde.

Achei que com o mestrado eu acalmaria meu coração, entenderia melhor esse papel da ciência na nossa vida. Estudei muito durante dois anos no mestrado, muito focada em História da Física, principalmente a parte da mecânica.

Acalmou o meu coração? Não, longe disso, pelo contrário. Meu coração ficou muito mais revolto quando comecei a estudar (na pós-graduação, no mestrado), sobre ciência.

E aí foi aonde me encaminhei para filosofia, um doutorado em Filosofia da Ciência, para ver se eu conseguiria compreender melhor o que vem a ser ciência e meu papel como educadora nisso tudo, como ser humano também, com a natureza.

Bom, depois disso tudo, acalmou meu coração? Não, muito pelo contrário, o coração segue muito agitado, a mente segue muito agitada, tentando descobrir o que vem a ser, de fato, o conceito de ciência, método científico, objetividade, verdade, ser humano, natureza, Deus, o conceito de mitos dentro da nossa história, como é que isso surge.

Enfim, sigo aqui estudando e tentando me encontrar nesse mundo.

Há povos do planeta que sempre entenderam a espécie humana como parte integrante da Natureza, sem separação (é o caso de indígenas, budistas etc.). De onde veio a ideia de separação presente em boa parte da mentalidade ocidental?

Excelente pergunta, obrigada por ela! A gente está tão imersa nessa cultura, que muitas pessoas não conseguem entender que há muitas formas diferentes de se visualizar, de se vivenciar, de compreender, de estudar o mundo.

É como você colocou, indígenas e budistas, de uma forma geral, só falam da Natureza como uma coisa só – independente e indiferente ao sujeito.

O ser humano inexiste se for separado do cosmos. Aliás, não faz sentido você pensar o ser humano separado do cosmos. E, de fato, quando o ser humano exerce ação sobre a natureza, ou seja, sobre o meio, o ser humano muda a si mesmo a si próprio, muda sua natureza íntima.

Ao mesmo tempo em que modifica a natureza externa, seja para melhor, seja para pior. É algo uno, a via é de mão dupla sempre.

Mas, voltando a sua pergunta, desde a revolução copernicana a Natureza foi vista na filosofia ocidental, de uma forma geral, como pura passividade, com a atividade sendo uma prerrogativa dos indivíduos.

De lá para cá, a gente construiu muitas estradas, muitas fábricas, muitas cidades, como se a natureza pudesse estar a serviço do ser humano – que só modifica essa natureza sem ser modificado por ela. E a coisa se aprofunda, com os filósofos da ciência também.

Não faltaram filósofos para confirmar a tese de que estamos fora da Natureza

Na doutrina da ciência de [Johann Gottlieb] Fichte – um filósofo alemão que veio depois de Kant -, mesmo o ato de por algo fora do eu… Por exemplo, conceber um fenômeno da natureza como a força da gravidade, trata-se de algo a serviço do eu, de modo que a natureza só exista na medida em que a subjetividade se opõe a ela. Ou que um sujeito se põe a utilizar essa natureza para seus próprios fins.

O que estou querendo dizer é que não faltaram filósofos para confirmar a tese de que estamos fora da Natureza. Pelo menos no que se refere a esse negócio chamado de autoconsciência ou consciência.

Se o ser humano explora a natureza, conclui-se, ele é algo fora da natureza.

Há uma impressão que, em termos de consciência, nós estamos fora da Natureza. E, com a nossa razão, conseguimos compreender os mistérios dessa natureza.

Mas, na realidade, para muitas outras pessoas que vivem neste mundo, neste planeta, não há essa separação. Ou seja, o ser humano não está separado da Natureza.

Nesse contexto, na filosofia e na ciência modernas, começamos a ver o mundo como dualista, mecanicista. E a gente conduz a uma, vamos dizer, aniquilação da natureza. Então, ela passa a ser algo mensurável e objeto de dominação, um mero instrumento para os seres humanos.

Me parece muito mais plausível entender a Natureza como uma totalidade extremamente complexa e que o ser humana faça parte dessa complexidade. 

Ou seja, logo, se a Natureza adoece, o ser humano adoece juntamente com ela – porque não é diferente dela. Não é algo afastado dessa Natureza.

A ciência moderna ajudou muito [construir] essa visão dualista. E a escola, tal como foi concebida, não tem ajudado nada no sentido de formar cidadãos e cidadãs que pensem sobre tudo isso.

Pelo contrário, o que a gente vê na educação moderna, é o que não é científico, o que não está calcado no cartesianismo, no mecanicismo, é desconsiderado no currículo escolar.

Quando falo de cartesianismo aqui, eu me refiro a algo que tenha ligação direta com o filósofo francês René Descartes.

Ele estabelece uma separação objetiva entre Deus, mundo e Homem – e, no caso deste último, entre o seu corpo, que é a sua extensão (a res extensa), e a sua mente, uma substância pensante, a alma – o que ele chama de res cogitans.

Ou seja, o Universo com Descartes – que foi contemporâneo de Galileu e Newton – foi dividido num processo objetivo no espaço e no tempo, por um lado e por outro lado, a alma em que se reflete aquele processo.

O espaço-tempo é algo que acontece fora de nós e essa distinção – olha que interessante – não pode mais servir de ponto de partida para a ciência que temos hoje.

A física quântica mostrou que a ciência já não é uma espectadora, colocada em frente da natureza, mas reconhece-se a si mesma como parte da interação entre ser humano e Natureza.

O que estou querendo dizer é que o método científico, que consiste em abstrair, explicar e ordenar os fenômenos, adquiriu consciência das limitações que lhe impõem o fato de a sua intervenção modificar e transformar o seu objeto. Até o ponto em que o método não pode se separar do objeto.

Os físicos quânticos mostraram que a imagem científica do Universo – ou seja, a natureza de um lado e o ser humano estudando essa natureza, de outro – deixa sim de ser uma verdadeira imagem da natureza.

Mas, como física quântica não é de uma forma geral ensinada nas escolas, o que é ensinado de fato é uma física mecanicista – todo currículo parece que o conhecimento é algo separado da Natureza, é algo que o ser humano faz independente da sua relação com a Natureza – essa discussão toda não está dentro das escolas e muito menos nos botequins, nas praças, nas praias.

Acho que a pandemia nos têm feito pensar muito sobre tudo isso. E o que não faltou nesse mundo foram indígenas e budistas nos alertando que – vamos colocar assim – a Natureza ia dar um retorno do que a gente estava fazendo com ela. Na verdade com nós mesmos, como estamos vendo aqui e agora.

Quando se fala da Revolução Científica, o ponto de partida é sempre a Europa dos séculos 16 e 17. A impressão que se passa, muitas vezes, é que outros povos do planeta não faziam ciência durante e antes desse tempo. O que faziam então os orientais, africanos, árabes?

Pois então, a Revolução Científica foi um recorte temporal idealizado pelos historiadores das ciências que buscaram identificar o início da ciência moderna, bem como os seus conceitos próprios os fundamentos e metodologias. Isso é complicadíssimo, é complicado você marcar o início.

Esse processo teria ocorrido, para muitos historiadores, na Europa do século 17. E dizem os livros, ainda mais os de ensino médio (sou professora de escola), que essa revolução é um dos mais importantes processos desenvolvidos na Idade Moderna. Sendo que as suas implicações podem ser observadas até os dias de hoje.

A mecânica newtoniana, por exemplo, persiste como base da maioria dos currículos de física da rede de ensino e até mesmo nas universidades.

Então a gente vê figuras como Newton, Copérnico, Kepler, Galileu, Leibniz e muitos outros. Esses físicos, filósofos naturais, como se chamava na época, para vários historiadores, iniciaram esse empreendimento que a gente chama de Revolução Científica.

Essa visão da nossa ciência moderna, nascendo na Revolução Científica do século 17 – que leva em consideração com o momento inaugural desse período as mudanças cosmológicos trazidas pelo heliocentrismo de Copérnico e Galileu, em detrimento da ideia que a Terra estava no centro – é certamente a mais difundida.

Tanto nos livros de ensino médio, como nos livros da faculdade e na historiografia contemporânea.

Mas isso não é um consenso. Então, é importante ressaltar que essa periodização está longe de ser exata e consensual. O próprio conceito de Revolução Científica é tema de muitas, inúmeras discussões acadêmicas.

E aí, quando a gente estuda esses debates, testemunha essas discussões, é interessante observar que a historiografia é uma forma de você perceber que todo historiador, toda historiadora, sofre pressões ideológicas, políticas, religiosas e institucionais, comete erros, tem preconceitos, tem valores.

Enfim, o que estou querendo dizer é que toda palavra que a gente usa para caracterizar, para marcar um dado período, vem carregado de significado. Já que tem uma representação aí do momento em que isso foi escrito.

A gente sabe que a ciência busca entender o mundo. Mas essa vontade, esse anseio de você encontrar respostas para os mistérios do universo e da Natureza, não se iniciou com a Revolução Científica.

Isso existiu desde que o ser humano é ser humano, desde os primórdios da humanidade se busca uma explicação para o que a natureza, para o que vem a ser o mundo, o que que vem a ser as estrelas, o que somos nós no meio de tudo isso.

Então, a pergunta que se faz é: por que que a gente leva em consideração apenas a ciência, ou seja, essa ideia da ciência formulada a partir da Revolução Científica?

Durante o fim da Idade Média e o Renascimento, a gente viu que despontou na Europa um certo modelo para você explicar a realidade: o modelo quantitativo, que começou a substituir o modelo qualitativo.

Isso é um ponto na característica marcante nesse processo, é quando se começa a medir, a comparar, a quantificar.

E quando se começa a medir, a comparar, a quantificar, isso permite – no caso, aos europeus -, avançar com muita rapidez em aplicações tecnológicas. Você avança na indústria naval, militar, armamentista.

Então isso tem, de fato, uma importância, uma modificação para o futuro do continente [europeu]. No entanto, essa mudança de mentalidade não acontece do dia para a noite. Foi algo que vinha acontecendo, acho que desde quando o ser humano é ser humano.

Idade Média e Antiguidade

É por isso que há muita dificuldade em você estabelecer o século exato para, por exemplo, falar do início da Revolução Científica.

Então, eu estou falando sobre Revolução Científica e sobre renascimento porque tem a ver com o conceito de ciência.

A gente pode afirmar, por exemplo, que a Renascença não concedeu uma ruptura radical entre o mundo das trevas, a Idade Média, em favor de uma época de glórias, louvores para humanidade.

Por outro lado, a própria Idade Média jamais havia perdido o contato com a Antiguidade. O que houve na Idade Média foi uma transformação da Antiguidade.

A gente viu o fenômeno da cristianização pelas mãos de São Tomás de Aquino e Santo Agostinho, pelas forças que a igreja estava representando nessa época.

Mas, pra gente entender essas rupturas advindas dessas inovações do Renascimento, para gente compreender ou o que não houve rupturas, vamos colocar assim, a gente só pode fazer isso através de uma abordagem interdisciplinar – que pressupõe um saber técnico, mas um saber também contextualizado. A questão é que esse saber contextualizado é muito difícil de acontecer, no caso (eu como sendo professora, vou colocar aqui de novo), nas escolas.

Então esse resgate do antropocentrismo, ou seja, colocar o homem o ser humano no centro do universo, da cultura, de uma estética greco-romana, ele foi fundamental para a gente desenvolver novas práticas, durante o Renascimento.

Mas essas práticas não seriam possíveis sem várias noções medievais. Noções como, por exemplo, de simplicidade, de harmonia. Então, esse negócio de falar que houve uma ruptura desconsiderando o que já tinha sido feito, também é controverso à beça.

E mais um detalhe… Porque enquanto estou falando, estou me lembrando e pegando a pergunta que você fez. A influência por exemplo dos árabes islâmicos na civilização ocidental foi fundamental, quando a gente analisa a história.

Quando a gente pega a tradução de filósofos, vemos que não foi feita diretamente sobre os originais gregos. Mas certamente, tudo indica, sobre tradições árabes anteriores.

Quando você traduz, você se coloca, comenta. Então teve comentários de filósofos muçulmanos contemporâneos, a exemplo do Avicena e Averróis, só para citar alguns nomes.

Mas, mesmo que não houvesse influência nenhuma, a gente considerar que tudo começou no século 16, 17, com a Revolução Científica e que, antes disso, o planeta vivia numa ignorância, numa escuridão de conhecimento, é extremamente ingênua essa visão, e preconceituosa. Acho que a gente precisa lutar para mostrar que outros saberes aconteciam.

Esses outros saberes assim como a história da África não chega para gente. Isso foi de certa forma bloqueado. E sabemos que a escolha curricular é uma escolha política. Então, temos tem que ficar atento a isso tudo e deixar um pouquinho a ingenuidade de lado.

Ciência e cultura podem caminhar juntas
  • Facebook
  • Twitter
  • Pinterest
  • LinkedIn
Imagem de Gerd Altmann por Pixabay

Ciência também não é cultura? Como reforçar a ideia de que ciência e artes podem caminhar juntas?

Caramba! Mais um bloco de perguntas super interessantes. Muito obrigada por elas.

Bom, quando a gente faz uma pergunta do tipo “por que todos os corpos caem ao mesmo tempo ou por que os planetas giram em torno do Sol em órbitas elípticas e não circulares”, a gente está querendo obter um entendimento de determinadas questões técnicas e questões que são aplicáveis.

Mas, para além disto, quando a gente pergunta esse tipo de coisa é porque a gente está querendo compreender o mundo, compreender a Natureza. E porque a gente acredita que o mundo possui uma explicação, uma ordem.

Ou seja, a gente faz essas perguntas porque a gente já parte do pressuposto de que a gente tem como respondê-las.

E isso, por si só, já é algo cultural e porque nem em todas as épocas, nem em todos os lugares essas perguntas fazem sentido.

Para que aconteça essa resposta, tem que haver – antes do cientista que está formulando, do filósofo natural, do físico, do químico, do biólogo – uma concepção da Natureza, de Deus, de espaço, de tempo.

No caso de Newton, ele pressupôs o espaço absoluto e o tempo absoluto – que são conceitos filosóficos.

A ciência é influenciada pelo contexto no qual está inserida

Quando a gente está falando de ciência também, esbarramos a toda hora em vários conceitos filosóficos como: objetividade, causalidade, simplicidade, que são as bases sobre as quais o intelecto vai empreender alguma teoria científica.

Quando estamos estudando qualquer teoria científica, não tem como não cairmos em questões como: o que é a realidade, por que as coisas são como são, como que as coisas funcionam, como que um ser humano consegue conceber uma explicação para a origem do Universo, se é possível ou se não é.

Ou seja, o que a minha mente é capaz de descobrir, se tem limite para isso. Todas essas, volto dizer, são questões também do âmbito cultural.

O que estou querendo dizer é que a ciência é influenciada pelo contexto social, cultural, político e histórico no qual ela é construída.

Então, esse aspecto é muito importante quando a gente está estudando História da Ciência, porque evidencia a não neutralidade da ciência e do pensamento científico.

Dito de outra forma, nenhuma ideia científica (ou cientista) está mergulhado, está envolta numa redoma intransponível.

Pelo contrário, as concepções que essa pessoa tem, até mesmo as perguntas que ela faz, as questões que ela coloca, a forma como ela coloca essas perguntas, o local em que vive e as influências que ela sofre, desempenham um papel importantíssimo nessa questão. Tanto na rejeição ou no desenvolvimento dessas ideias da ciência.

Então os cientistas utilizam imaginação, crenças pessoais, influências externas, entre outras coisas para fazer ciência. Ou seja, todo o meio em que a pessoa está inserida.

E no senso comum, há uma noção de que o cientista é quase um robô que está alheio a esse mundo, fazendo uma ciência completamente neutra e livre de qualquer influência externa.

Cientistas são seres humanos comuns

Ao se estudar a História da Ciência, Sociologia da Ciência, Filosofia da Ciência, análise da construção da ciência, da natureza da ciência, nós começamos a ver, a ser revelado uma característica de todo cientista.

Uma característica que, a princípio, deveria ser óbvia mas parece que não é – a de que cientistas são seres humanos comuns.

E, sendo um ser humano comum, utilizam de suas crenças, expectativas para legitimar e defender suas ideias, têm qualidades, defeitos, cometem erros.

Enfim, isso nos leva a concluir que não existe um modelo robô de cientista. Cada cientista é formado devido ao contexto em que ele vive, no qual está inserido.

É claro que cientistas de hoje são diferentes dos de antigamente ou até mesmo de não tão antigamente assim, de anos anteriores.

Hoje em dia, para se fazer uma pesquisa, geralmente a gente precisa de vários cientistas. Às vezes, milhares de cientistas e grupos que estudam partes diferentes de pesquisas que não se comunicam entre si.

Ciência e arte podem caminhar juntas

Newton fez uma teoria praticamente sozinho, assim como Einstein. Claro que também houve influência do exterior, do contexto histórico, mas não havia uma equipe de cientistas com ele como existe hoje.

O que estou querendo dizer, mais uma vez, é que ciência e cultura são tratadas de forma separadas porque a nossa educação ensina [apenas] ciência.

Mas a escola não ensina absolutamente nada sobre a natureza da ciência, não tem esse debate na escola. Eu acho que quem está aqui nos ouvindo não fez esse debate na escola.

A ciência não está enclausurada em uma bolha. O conhecimento científico é uma obra de seres humanos e, como seres humanos pertencem sempre a uma sociedade, têm obviamente modelos culturais, religiosos, políticos, econômicos que influenciam essa pessoa a pensar. E eles trazem para a ciência essas crenças, anseios, medos, várias concepções.

Agora, para reforçar essa ideia de que ciência e arte podem caminhar juntas – mesmo porque são frutos da criatividade de uma mente humana -, eu acho que tinha que se inserir história, sociologia, filosofia da ciência nas escolas. Fazer esse debate profundo sobre a natureza da ciência.

Para além de ensinar ciência – é claro que o conhecimento técnico é muito importante -, vamos contextualizar o conhecimento que a gente está debatendo, ensinando, que a gente está aprofundando em sala de aula.

E isso posso dizer que inexiste nas escolas. Se existe em uma ou em outras são exceções. A regra geral é que esse debate não acontece, não somente nas escolas como também em várias universidades.

Sugestão de leitura

“Como dialogar com um negacionista” – Elika Takimoto

  • Facebook
  • Twitter
  • Pinterest
  • LinkedIn

“Elika é muito mais do que professora e cientista: é uma cidadã implicada na sua realidade. Seus trabalhos científicos são marcados por uma dedicação a diminuir as distâncias entre as Ciências Exatas e as Humanas.

Afinal, como afirma, todas as ciências são humanas!

Este livro explora fronteiras e encara os desafios epistemológicos que possuímos no Brasil que não conhece o Brasil.

Porque não se escuta, não sabe dialogar e assim não desenvolveu, ainda, as condições para celebrar sua diversidade como oportunidade para seu desenvolvimento.

O trabalho que temos em mãos pode ser compreendido também como parte do esforço da comunidade científica para a popularização da ciência, pois articula os desafios da conquista do diálogo com negacionistas à ampliação dos debates em torno de ciências no plural, capazes de responder aos embates que a sociedade possui. ”

Por Sueli de Lima

COMPRE O LIVRO AQUI

VEJA TAMBÉM

Neil deGrasse Tyson: “Estamos todos conectados”

O que é espiritualidade, segundo as Ciências das Religiões

Natalia Pasternak na CPI da covid-19: “O que queremos dizer com ciência”

Entenda a diferença entre teoria e hipótese

 

    Posts Relacionados

    Pin It on Pinterest

    Share This