Ainda nos primeiros shows, a banda Eddie tocava obras de bandas como Pixies e Ramones. Era uma forma de complementar o repertório ainda insipiente em termos de composições próprias
Por AD Luna
@adluna1
Rua do Sol, Olinda, 1993. Este repórter trocava ideias com Gastão Moreira, então VJ da MTV Brasil, na calçada oposta ao Poco Loco, bar que, naquela década, recebia inúmeros shows de bandas autorais da cena pernambucana e até internacionais, como foi o caso da escocesa Bloco Vomit. Gastão estava no estado para apresentar a primeira edição do Abril pro Rock – realizada no extinto Circo Maluco Beleza, na zona norte do Recife.
De súbito, nossa conversa é interrompida por gritos revoltosos que se somavam aos sons distorcidos de guitarra que vazavam do interior do pub. Em seguida, um bolo humano formado por carinhas que se atracavam raivosamente foi expelido do lugar. Assim acontecia mais um show da banda Eddie.
“Na minha época, isso era comum. Em todo show da gente, tinha briga. Até quebrei um dedo apartando uma. Ter confusão em toda apresentação nossa era algo comum. Como assim, em todo show? Alguém pode pensar. Mas era”, relembra Fábio Trummer, vocalista, guitarrista e único fundador remanescente da Eddie.
No desenrolar do momento, concordamos Fabinho e eu, que o episódio descrito foi deveras tenso. Mas, como quase sempre acontece, o tempo trata de transformar em pilhéria certos casos estressantes do passado.
Em 2019, a Eddie completa 30 anos de estrada e comemora a data no festival Rec-Beat, em show na segunda de Carnaval (4/3). Sentado à mesa do bar Peneira, nos Quatro Cantos, ponto de referência na cidade-sede da banda, Fabinho deu uma breve repassada na carreira do quinteto.
Além dele, complementam a formação clássica, responsável por gravar a maioria dos sete álbuns lançados, a dupla drum’n’bass formada pelos irmãos gêmeos Kiko Meira (bateria) e Rob Meira (baixo), Andret Oliveira (trompetes, teclados & samplers) e Alexandre Urêia (percussão e voz).
Ouça a íntegra do programa com a banda Eddie
Início da banda Eddie
A Eddie é daquelas bandas com o raro e difícil mérito de criar seu uma identidade sonora própria. A mistura de rock alternativo, punk, reggae, pitadas de eletrônica com boas doses de frevo, samba e baião resultou no que se convencionou chamar de “Original Olinda Style” – título inclusive do segundo disco do grupo, lançado em 1998.
Mas Trummer faz questão de dizer que a formatação desse singular corpo sonoro é obra coletiva desenvolvida desde os primeiros anos do grupo.
A história começa por volta de meados dos anos 1980. A vontade de participar de uma banda foi despertada em Fabinho ao ver colegas de escola se reunindo para formar uma banda com o objetivo de se apresentarem num evento da Academia Santa Gertrudes. A secular instituição olindense de ensino foi criada por oito freiras alemãs e tem como lema é: “Há 106 anos Educando e Evangelizando Gerações”.
Trummer aprendeu os primeiros acordes ensinados pelo irmão, no violão do pai. Mesmo não sabendo tocar direito e com parcos conhecimentos em relação a solos de guitarra, ele aceitou o convite para ingressar numa banda. À necessidade de preparar solos para as canções do conjunto veio a habilidade de criar músicas. “Já comecei a tocar compondo”.
Em 1989, por uma exigência de um festival organizado no Objetivo, a banda que chegou a se chamar Punch’s, numa época e Companhia Acme, em outra, teve que mudar a formação para abrigar apenas estudantes do colégio, e daí se tornou a Eddie.
Ao contrário do que já foi algumas vezes levantado, o nome não foi inspirado no mascote do grupo inglês de heavy metal Iron Maiden. A ideia inicial surgiu como forma de saudar o lendário surfista havaiano Eddie Aikau.
Por uma coincidência quase transcendental, Fabinho passou a ver naquela época várias pessoas com camisetas com o nome Eddie. Em especial, nos Quatro Cantos. Ele acabou tomando isso como um sinal e batizou o grupo.
O frevo e a influência baiana
Como já comentado, o frevo é uma das mais fortes influências da banda Eddie. Mas o que muita gente talvez não consiga identificar é a raiz baiana dessa ligação. Fábio Trummer conta que os sons das guitarras de bandas como o Chiclete com Banana o encantavam.
Outro grupo que chamava bastante atenção dele era a Turma do Pinguim, que se apresentava em cima de um trio elétrico da marca de refrigerantes Antarctica.
“Ouvi muito. Em Olinda, eu com dez, 11 anos de idade, ia com meus amigos à beira-mar pra curtir trio elétrico. Ficava ao lado dele pra sentir o grave. Bum, bum”, conta.
E complementa: “Quando um cara tocava ‘Vassourinhas’ na guitarra elétrica era o ápice pra mim. Era como ir para um show do Queen e a banda tocar Bohemian Rapsody. Minha memória musical vem muito desses carnavais”.
A grande contribuição de Erasto Vasconcelos para a banda Eddie
Ainda nos primeiros shows, a Eddie tocava obras de bandas como Pixies e Ramones. Era uma forma de complementar o repertório ainda insipiente em termos de composições próprias.
“Foi uma estratégia que deu bastante certo. Com o passar dos anos, foi aumentando o [número] de nossas músicas e diminuindo os covers”.
Há certos encontros na vida que podem mudar a vida de pessoas e bandas. Com a Eddie isso aconteceu no dia em que Roger Man, antigo baixista do conjunto, disse a Trummer que Erasto Vasconcelos havia composto uma música especialmente para o grupo. Os dois ainda não se conheciam. O irmão de Naná foi então a um ensaio. “A gente já ficou amigo ali. Ele cantou e a parte rítmica, principalmente, me encantou muito”.
Os laços foram se estreitando, assim como a mútua admiração musical. Até que Erasto passou a ser presença constante nos shows da Eddie, a partir de 1996. Naquele tempo, a Eddie estava em processo de pesquisa e de lapidação sonora. “Ele ter chegado foi uma luz pra gente, pois trouxe a brasilidade que estávamos querendo de maneira natural”, expõe Fábio.
Dentro das comemorações das suas três décadas, a banda Eddie tem se apresentado com músicos que participaram dos seus primeiros anos de vida. Fábio Trummer, Rogério Roger Man (baixo e voz), Bernardo Vieira (bateria), Fred Eremita (percussão e voz) e Helcias Luna (teclados) têm tocado em festas e prévias carnavalescas de Pernambuco, músicas do “Sonic mambo” e versões demo de outras composições.
AD Luna mostra bastidores de show da banda Eddie, na cidade de São Paulo, em março de 2009
A banda fora contratada pela Roadrunner, gravadora especializada em heavy metal, dona inclusive do passe do Sepultura à época. Trummer não ficou muito satisfeito com o resultado final. “Quem conhecia a banda ao vivo e ouviu o disco, sentiu que eles domesticaram o som da gente, que era mais orgânico”, reclama.
Outro problema enfrentado foi a falta de divulgação adequada do álbum. Algo que parece indicar certa incompetência administrativa do selo.
Afinal, a empresa gastou dinheiro para levar a banda para gravar nos EUA e praticamente os abandonou na hora de apresentar o resultado do seu investimento ao mundo. Destaques do álbum: “Buraco de bala”, “Eu só poderia crer” e “Coqueiros”, composição da banda Kaya na Real.
Os problemas causados pela falta de planejamento de distribuição e divulgação do “Sonic mambo” trouxeram certo desânimo para integrantes da banda. Pouco a pouco, a maioria deles saiu.
“Mas digo que o Eddie se multiplicou. Roger Man saiu e fez o Bonsucesso Samba Clube, Karina entrou na Comadre Fulorzinha. Berna foi trabalhar com produção”, conta Fabinho. Foi então que ele chamou os irmãos Rob e Kiko Meira (baixo e bateria, respectivamente).
O percussionista Alexandre Urêia tocava com Erasto e foi convidado a integrar a banda. O disco foi gravado de forma independente, e parte dos recursos veio da renda de direitos autorais da regravação de “Quando a maré encher”, feita por Cássia Eller. “Original Olinda Style” é repleto de hits como “Futebol e mulher”, “Falta de sol”, “Pode me chamar”, “O céu” e as composições de Erasto, “Guia de Olinda”, “Eu sou Eddie” e “Peixinhos”.
Curiosamente, foi nesse álbum que a banda finalmente registrou em álbum a faixa “Quando a maré encher”. Em 1994, ela chegou a sair numa coletânea chamada “Brasil compacto”, do selo Rock it!, de Dado Villa-Lobos.
A Nação Zumbi registrou o clássico no disco “Rádio S.Amb.A”, de 2000, com uma releitura bem particular. A mesma regravada por Cássia Eller, em seu “Acústico MTV” (2001). Também se destacam “Lealdade”, de Jorge de Castro e Wilson Batista, “Vida boa”, “As flores e as cores” e “Maranguape”.
Disco gravado em São Paulo, em coprodução com o pernambucano Buguinha Dub. “Foi uma época muito boa da gente, com a realização de temporadas na cidade e nosso público crescendo por lá”.
Entre as músicas em destaque estão a regravação de “Gafieira numa avenida”, que fazia parte da trilha sonora do filme “Amarelo manga”, de Cláudio Assis, “Eu tô cansado dessa merda”, “Bairro Novo, Casa Caiada” e “Baile Betinha” – canção de Erasto Vasconcelos que, segundo Trummer, é a mais tocada da banda nas plataformas digitais.
Álbum concebido e gravado em São Paulo, com produção de Eduardo Bid. É um álbum no qual a banda lança críticas ao canibalismo da especulação imobiliária. “Delírios espaciais” abre o disco com levada dançante, doses de psicodelia e letra pegajosa.
“O saldo da glória” contém um quase irreconhecível Fabinho Trummer cantando em falsete. É o quarto disco com participação de Erasto Vasconcelos, a contar do “Original Olinda Style”.
Em 2014, a Eddie lançou a coletânea comemorativa “25 Anos ¡1989.2014!”. No ano seguinte, lançam “Morte e vida” – disco inspirado em livro do poeta João Cabral de Melo Neto e gravado totalmente em Olinda.
A obra tem participações de Karina Buhr, Jam da Silva e, claro, Erasto Vasconcelos. Trummer escreveu onze das dez faixas do álbum. Muitas delas sob o impacto de um fim de relacionamento e a morte do pai.
O disco mais recente da Eddie teve produção de Pupillo, que na época ainda era baterista da Nação Zumbi. “Ao contrário do anterior, gravado em um mês, este foi feito durante um ano. Foi um trabalho bem elaborado”, explica Fábio Trummer.
“Mundo engano” é repleto de participações, a exemplo de Jorge du Peixe, Martin Mendonça (guitarrista da banda de Pitty), Orquestra de Frevo Henrique Dias, Nilsinho Amarante (trombone).
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