Estamos numa verdadeira emergência ambiental, e é desesperador perceber que uma parcela significativa da sociedade ainda não entendeu a gravidade dessas mudanças, e o assunto não atingiu a absoluta prioridade que merece
Por Marcelo Knobel e Néri de Barros Almeida, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
A Humanidade está à beira de um imenso precipício. Como se não bastassem problemas antigos, como violências, guerras, fome, pobreza, entre outros, estamos enfrentando novas crises agravadas pela globalização e novas tecnologias, como pandemias e graves desordens de informação, que se misturam com um aumento sensível de autocracias e polarizações políticas ao redor do mundo. Para completar esse quadro complexo, as mudanças ambientais – constituídas pela interconexão entre mudanças climáticas, perda catastrófica da biodiversidade e poluição do meio ambiente – são cada vez mais evidentes para todos, infelizmente confirmando algo que os cientistas vêm alertando há anos.
Estamos numa verdadeira emergência ambiental, e é desesperador perceber que uma parcela significativa da sociedade ainda não entendeu a gravidade dessas mudanças, e o assunto não atingiu a absoluta prioridade que merece.
Muita gente está se perguntando: o que podemos fazer para mudar esse contexto? O que fazer para que os governos e a sociedade em geral enfrentem de fato essas questões que põem em risco o nosso futuro com a urgência que é necessária? Como fazer isso em meio a todo o ruído que hoje temos nas mídias sociais e sistemas de mensagens pela internet?
Não é nossa intenção apresentar soluções para esse problema sistêmico de dimensões planetárias, mas discutir as potencialidades de um agente privilegiado de transformação.
As universidades e outras instituições de ensino superior (referidas por nós, acadêmicos, como “IES”) ocupam uma posição estratégica a partir da qual podem exercer um protagonismo relevante na linha de frente das transformações urgentes exigidas pelo enfrentamento às mudanças ambientais.
De fato, as IES são, em princípio, lugares privilegiados para a discussão de assuntos complexos, pois ali se juntam, em torno do ensino e da aprendizagem, diversas gerações, diferentes áreas do conhecimento, ciência e tecnologia e um forte entusiasmo para buscar resolver grandes problemas da humanidade. Desse modo, acreditamos que sejam pontos focais estratégicos para o enfrentamento eficaz, rápido e adequado à emergência ambiental que estamos vivendo.
Segundo dados da Unesco, existiam no mundo em 2022 cerca de 235 milhões de estudantes universitários. De acordo com o censo da Educação Superior, em 2022, havia no Brasil mais de 9,4 milhões de estudantes matriculados no ensino superior. O número pode parecer pequeno frente aos 8,1 bilhões de habitantes do planeta, mas ele é expressivo se observado à luz de alguns fatores.
O primeiro deles é que esse contingente está em constante movimento, e após alguns anos no ambiente pós-secundário, os cidadãos formados ocupam posições decisórias em diversos setores da sociedade. É importante lembrar que a função social da formação superior vai além da profissionalização envolvendo possibilidades de conhecimento interdisciplinar, diálogo crítico e a discussão de ações em favor da sociedade que abrem novos horizontes para a política e a cidadania.
Em segundo lugar, as pesquisas cruciais que realizam diagnósticos e apontam soluções para as mudanças ambientais são, em boa medida, realizadas em universidades. Embora as universidades representem apenas parte do sistema de ensino superior, elas estão estritamente vinculadas a esse conjunto por meio da formação de docentes e de gestores, e do desenvolvimento de propostas de políticas públicas para o setor.
As IES, portanto, são locais únicos para a difusão e discussão qualificada do conhecimento científico para o enfrentamento à emergência ambiental como um problema complexo. Elas reúnem profissionais habilitados para discutir e propor soluções para as diferentes demandas apresentadas pelas mudanças ambientais: limites planetários; segurança hídrica, alimentar e nutricional; soluções baseadas na natureza; mudança da matriz energética; proliferação de agentes patógenos; diagnósticos de situações de risco; comunicação, educação, formação e capacitação; saúde física e mental; direito e justiça; política e diplomacia; economia circular e regenerativa; trabalho e empregabilidade; serviços ecossistêmicos, entre outros.
Vale destacar que as IES são também importantes espaços de comunicação positiva sobre o tema. Com efeito, um dos entraves para o avanço político na direção de ações eficazes no enfrentamento às mudanças ambientais é a dificuldade para uma boa comunicação a respeito, capaz de gerar transformação, mobilização e impacto, sobretudo no que se refere à cobrança de ações consequentes aos governos e setores produtivos.
As mídias profissionais ainda privilegiam a notícia de fatos consumados como desastres ambientais e os números que explicitam os sucessivos avanços sobre os limites da segurança planetária (aumento nas emissões de CO2, aumento dos níveis de degradação do solo, desaparecimento de espécies, destruição de biomas etc). A divulgação desses eventos é extremamente importante, mas a pauta informativa só se torna positiva se transmitida a um público bem informado a respeito das condições planetárias e das soluções sistêmicas, eficazes e seguras.
Cooperação sistemática entre universidades e mídia
No que se refere à comunicação positiva para a ação ambiental existe, em potencial, uma poderosa frente de cooperação permanente entre universidades e mídia. As universidades podem ser foco de comunicação positiva também tendo em vista a diversidade e interdisciplinaridade de sua produção. Para que isso se efetive, é preciso que as universidades disponham de estrutura para que os grupos multidisciplinares sejam capazes de divulgar informações específicas a partir da perspectiva da transformação sistêmica global.
Além disso, é importante ressaltar que há um movimento crescente da chamada “ciência cidadã”, onde a sociedade pode se engajar mais diretamente em pesquisas científicas com necessidade de grande número de dados espalhados em diferentes regiões, e em longo prazo.
Hoje, as IES já apoiam fortemente a sociedade no enfrentamento às mudanças ambientais por meio de esforços para a redução das emissões de CO2 em suas atividades e da realização de pesquisas especializadas em universidades públicas. Embora, como dissemos, também tenham destaque na divulgação e compreensão qualificada dos dados que apontam a gravidade da crise ambiental, as IES ainda não abraçaram em sua integralidade o desafio de formar de maneira massiva gerações inteiras de profissionais para pensar a nova realidade e oferecer respostas a ela com a amplitude e rapidez com que as mudanças estão ocorrendo.
Pode ser útil lembrar que as universidades modernas surgiram no século XIX para formar profissionais capazes de apoiar projetos de sociedade guiados pela ideia paradoxal de crescimento econômico ilimitado com base na exploração industrial de “recursos” humanos e ambientais limitados. As universidades, hoje, precisam exercer sua função nos processos de reprodução social com base nos dados e perspectivas científicas atuais, valorizando formas sociais e econômicas compatíveis com o respeito à vida, a produção sustentável, a justiça planetária e a democracia. Em suma, a situação exige que o conjunto do sistema superior de ensino se engaje na formação de gerações de profissionais capazes de pensar, discutir e apoiar a reconfiguração da presença humana em um planeta exaurido.
Uma vez que um grande esforço planetário para a mitigação das mudanças ambientais, venha a acontecer e o colapso ambiental seja detido, a adaptação às novas condições do planeta absorverá as energias das gerações de hoje e do futuro. É evidente, portanto, que o grande problema diante do qual estamos colocados será, por muito tempo, o núcleo irradiador das questões que irão orientar a pesquisa de ponta no planeta. Logo, faz todo o sentido que as IES invistam esforços em uma transformação responsiva às mudanças ambientais, sob a ética do respeito à vida e da inclusão.
É urgente que a compreensão do problema faça parte da formação de todos os profissionais e que estes sejam levados a se perguntar sobre as contribuições específicas de seu campo de saber.
Esse contingente de pouco mais de duas centenas de milhões de estudantes universitários pode parecer pequeno, mas ocupa uma posição importante porque está ligado a postos de trabalho decisórios que, de uma forma ou de outra, serão pressionados a se adaptarem às demandas das mudanças em curso. O ensino superior pode garantir uma formação profissional mais orgânica, uma perspectiva mais abrangente do problema e das soluções, o que amplia a possibilidade de sucesso das ações necessárias.
Compromisso com o combate às mudanças climáticas
Como as universidades e demais instituições de ensino poderiam atingir tal feito? Em primeiro lugar, estabelecendo o compromisso com o combate às mudanças ambientais como prioridade em suas atividades. Nesse sentido, muito já tem sido feito por professores e pesquisadores das IES. No entanto, uma mudança rápida, eficaz e duradoura da cultura universitária passa pela implantação de sistemas integrados, de gestão. Hoje, esse engajamento é mais perceptível na preocupação com os impactos ambientais das atividades realizadas, e na promoção de ambientes acadêmicos sustentáveis.
A adequação dos campi (do uso de energia e água à cobertura vegetal, passando pelo tratamento de resíduos, preservação etc) deveria ser tratada apenas como o desafio inicial de uma política ambiental mais vasta voltada para a educação, formação, comunicação e pesquisa. A fim de evidenciar essa nova prioridade as IES deveriam ser capazes de estabelecer programas prioritários de fomento à pesquisa em todos os níveis e áreas e também:
Combate à ansiedade climática
Na medida em que as condições ambientais se agravam, a saúde mental das gerações mais jovens é ameaçada. Hoje já existem numerosos estudos dedicados à ansiedade climática e à depressão dela decorrentes entre jovens e crianças.
Além dos danos à vida pessoal desses sujeitos, isso afeta sua disponibilidade emocional para o enfrentamento necessário à crise ambiental, que já marca o mundo em que vivem e em que irão viver. Muitos têm desenvolvido atitudes de negação e rechaço tendo em vista a angústia avassaladora que o problema pode despertar.
O enfrentamento a essas fantasias destrutivas passa justamente pelo fluxo natural de informação de boa qualidade e pela possibilidade de discuti-las com liberdade, criatividade e de forma construtiva.
É urgente restituir aos jovens a capacidade de imaginar um futuro alternativo com bases concretas e ajudá-los a se verem capazes frente ao mundo. A fim de manterem seu ímpeto investigativo firme diante de contextos cada vez mais adversos, as universidades precisam estar preparadas para um acolhimento atento ao adoecimento mental relacionado a fatores ambientais.
Estímulo à conscientização
Evidentemente, sabemos que os impactos de ações individuais das IES são minúsculos quando comparados a séculos de exploração industrial de sociedades moldadas pelo fetiche da mercadoria. Caberia a essas pequenas comunidades ilustradas assumir lugar de protagonismo realizando a transformação e servindo de exemplo de boas práticas nesta crise global sem precedentes.
Sabemos, porém, que não é fácil realizar transformações em ambientes universitários. Mas pela urgência do tema e a gravidade de suas consequências, é preciso admitir que se trata de uma necessidade, e não de uma opção. Tais mudanças podem reafirmar seu papel social e sua interlocução com a sociedade, apoiando mecanismos de cidadania que visam o combate eficaz e seguro às mudanças ambientais.
Um último aspecto que precisa ser lembrado no potencial das universidades no enfrentamento às mudanças ambientais é sua experiência em atividades em redes de diferentes amplitudes: local, nacional e internacional. As IES são espaços privilegiado de trocas e de potencialização de resultados, como ficou provado no desenvolvimento, em tempo reduzidíssimo, da vacina contra a Covid 19.
Essas redes irrigam não apenas pesquisas específicas em torno das quais estão organizados os acordos de cooperação interinstitucional, mas também o fortalecimento de convergência nas conclusões que garantem a mobilização capaz de sustentar politicamente resultados como o alcançado durante a pandemia.
Políticas de inclusão
Nos últimos anos, as políticas de inclusão trouxeram para as universidades brasileiras um aumento extraordinário de diversidade. Mostrando que essas instituições são ambientes capazes de potencializar diferentes energias intelectuais e congregá-las em favor do bem comum.
O comprometimento com o interesse público que define o ensino superior torna obrigatório que este se ocupe de problemas de tão alta relevância para a paz e o bem-estar da sociedade. E se o compromisso com a dignidade humana, o bem comum e a formação cidadã não forem suficientes, não custa lembrar que a urgência do problema transforma as pesquisas sobre as mudanças climáticas em espaço privilegiado de inovação e interdisciplinaridade, dois tópicos que integram a identidade do trabalho desenvolvido nessas instituições.
Por fim, em breve essa formação será imprescindível para a empregabilidade dos egressos. O sentido das mudanças está dado. A questão é saber quando as instituições reagirão e se o farão a tempo de aproveitarem a janela de oportunidades que começa a fechar-se.
O exemplo da tragédia gaúcha
Se resta alguma dúvida sobre a vocação das IES a um papel tão elevado e exigente, basta verificar o protagonismo que assumiram nas reações à tragédia que o Rio Grande do Sul viveu neste mês de maio.
Universidades de todo o país se destacaram no auxílio material imediato, por meio de doações, e na organização de pontos de coleta e distribuição de donativos. Elas também se mostraram fundamentais no aprimoramento das soluções e recursos técnico-científicos emergenciais, no esclarecimento das causas a partir de dados físicos e da identificação de fissuras nas políticas públicas, bem como, no apontamento preciso de responsabilidades, essencial para que haja reação, prevenção e planejamento.
Marcelo Knobel, Professor Titular do Departamento de Física da Matéria Condensada do Instituto de Física Gleb Wataghin, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Néri de Barros Almeida, Historiadora, Professora Titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp)
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