Marcelo Pereira: “A cultura transforma mentes, comportamentos e realidades”

 Marcelo Pereira: “A cultura transforma mentes, comportamentos e realidades”

O jornalista e editor de cultura Marcelo Pereira. Foto: arquivo pessoal

“Vivi um momento muito trágico, muito dramático, que foi a morte de Chico Science. Uma coisa inesperada”

Por AD Luna

O jornalista Marcelo Pereira trabalhou – de acordo com seus cálculos – durante 30 anos, 8 meses e 6 dias no Jornal do Commercio, onde se destacou como repórter e, em seguida, editor de cultura do veículo pernambucano. Ele foi um dos convidados da primeira edição da temporada 2021 do programa InterD – música e conhecimento (o qual outrora se chamava Interdependente), que estreou nesta quarta (20), na Universitária FM do Recife e nas principais plataformas digitais.

Como já é tradição, procuramos sempre produzir uma versão escrita do conteúdo em áudio. Nesta entrevista, Marcelo fala sobre a experiência vivida no JC, dos momentos mais marcantes, da ascensão do manguebeat, Chico Science, Kleber Mendonça Filho entre outros temas. Ao final do texto, você pode ouvir o programa do qual ele participou.

Que balanço você faz de todos esses anos atuando no comando de um dos mais importantes canais de difusão cultural do estado e do Brasil?

Trabalhar no Caderno C, que depois virou JC Mais, ao longo de mais de 30 anos, foi uma realização profissional para mim. Sempre busquei esse espaço. Tive oportunidade de conviver com muita gente boa, muitos repórteres bons que passaram por lá. Alguns no início da carreira, ainda como estagiários.

Também fui estagiário do Caderno C, bem no início mesmo. Foi meu primeiro estágio num jornal. Cheguei até a ficar em dois: na Secretaria de Turismo, Cultura e Esportes e no JC, porque queria muito trabalhar na área e, de alguma forma, contribuir na divulgação da cultura de Pernambuco.

Houve uma mudança muito grande no cenário cultural da gente, uma modernização até do fazer cultural, em muitos aspectos, uma nova maneira de ver a cultura, de ver as coisas de Pernambuco e do Recife.

Assim que me formei, fui trabalhar na Rede Globo, com esportes, mas não queria ter deixado o caderno de cultura. Por questão contratual, exigência de dedicação exclusiva, terminei ficando dividido e passei pouco tempo afastado do Caderno C.

Logo depois, tomei a decisão de voltar para o Jornal do Commercio e creio que fiz uma trajetória bem interessante.

Acompanhei os principais movimentos de Pernambuco, do Nordeste, do Brasil e do mundo. A gente procurou ter sempre uma mente aberta, valorizar as coisas que estavam acontecendo ou que estavam aflorando.

Ao mesmo tempo, [procuramos] buscar, identificar, apoiar e até mesmo resgatar a tradição cultural de Pernambuco, um pouco deixada de lado – vista como uma coisa folclórica, menor.

A gente procurou dar dignidade, visibilidade, oportunidade para quem faz cultura aqui em Pernambuco.

Durante esse tempo, quais foram os momentos mais marcantes para você a nível profissional e pessoal?

Minha trajetória é muito marcada pela cena musical do Recife dos anos 1990, que terminou eclodindo no movimento manguebeat. E todo o desdobramento que veio depois, com os primeiros lançamentos, as primeiras viagens das bandas.

Pude ver, fora do Recife, a recepção a [Chico Science &] Nação Zumbi, ao Mundo Livre S/A, Mestre Ambrósio. Pude acompanhar, de perto, a valentia dos meninos que faziam música aqui.

Ao mesmo tempo, acompanhei a literatura de Pernambuco ganhando uma prateleira importante, se consagrando nacionalmente de uma forma até mais profissional, com pessoas que se dedicavam e se dedicam a ela.

Para mim, foi muito importante acompanhar toda essa trajetória. Não só dos escritores nascidos em Pernambuco, como os que aqui vieram morar. Ou outros que eram do Recife, foram morar no Rio de Janeiro e, principalmente, em São Paulo. É o caso de Micheliny Verunschk, Cristiano Aguiar, Marcelino Freire, Newton Moreno.

Vivi um momento muito trágico, muito dramático, que foi a morte de Chico Science. Uma coisa inesperada. A gente acreditava muito, vivia apostando que eles conseguiriam fazer sucesso internacional – e que de fato fizeram. Foi muito difícil editar aquele caderno.

Anos depois, a gente fez várias matérias sobre a cena mangue, que muitos diziam haver morrido. Pode ter morrido com aquela aglutinação inicial, mas ocorreu um desdobramento que até hoje reverbera com várias sendas sendo trilhadas e caminhadas, com desdobramento nas artes plásticas e, principalmente, no cinema.

E aí vem outro momento muito interessante, muito bonito, que foi a projeção do cinema pernambucano culminando na consagração de um ex-crítico da gente – Kleber Mendonça Filho – como um dos mais talentosos cineastas dessa geração.

Kleber começou a fazer seus primeiros curtas ainda como jornalista do Jornal do Commercio e só veio deixar a crítica do veículo, quando já estava com a carreira em ascensão vertiginosa. Ele já não conseguia conciliar fazer longa-metragem e a crítica diária do jornal.

Então, são esses momentos que marcam, que ficam na cabeça da gente, entre tantos outros. Como você ver o Festival de Inverno de Garanhuns nascer e se tornar o que se tornou. Embora tenha se perdido no meio do caminho, em alguns aspectos, como o de não valorizar sua própria memória. Não valorizar a formação de mão de obra, como era sua intenção inicial.

É você ver o Rec-Beat fincar pé no Carnaval do Recife e se tornar uma referência de festival para o país. [O festival] Coquetel Molotov também e tantos outros momentos que marcaram minha trajetória. Às vezes como repórter e outras nos bastidores, como editor de cultura do Jornal do Commercio durante tanto tempo. 

Hoje, quando se fala em cultura, muita gente corre para enfatizar os aspectos e benefícios econômicos que realmente existem, claro. Mas, além dessa questão ligada à economia, o que poderíamos destacar no papel da cultura para sociedade?

A cultura tem um importantíssimo papel transformador. Ela transforma mentes, comportamentos, transforma realidades. Hoje, a periferia do Recife tem e busca um espaço ainda melhor no meio de toda essa diversidade cultural. A cultura não é só de elite e tem grande importância na formação de mão de obra, na formação de pensamento, de identidades.

Através da cultura, você empodera as pessoas, a questão de gênero, você se reafirma como raça, você se reafirma com sua religião. Esse aspecto é fundamental.

Logicamente que o ideal seria aliar a importância da carga cultural que você tem, àquele papel de agente que você exerce como um cidadão produtor de cultura, com os benefícios econômicos que se tem.

Infelizmente, existe uma parcela aqui em Pernambuco, como de resto no país, que visa apenas o benefício econômico, do lucro, e esses são os mais abastados, são os que têm maior acesso aos poderes públicos nos grandes eventos: Carnaval, São João e Semana Santa, esses eventos cíclicos.

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Eles montam grandes estruturas, têm acesso a grandes somas de dinheiro, principalmente de empresas de bebida, de consumo mais global da classe média e terminam investindo somente naquilo que já é público e notório, que não tem muito aspecto cultural relevante. É a massificação pela massificação.

Infelizmente, isso ainda é a realidade daqui, deixando à margem, à parte, sem integrar aquelas pessoas que fazem e vivem da cultura. Seria muito bom se a cultura não fosse apenas cíclica, que ela fosse contínua e não houvesse tantos hiatos.

Por outro lado, os gestores públicos ainda não aprenderam a tratar com dignidade a cultura pernambucana, sendo recorrente atrasos de pagamentos, busca de diminuição de valores de cachê. Espero que, a partir de agora, as coisas comecem a mudar.

Existem meios tecnológicos que facilitam esse processo. É preciso desburocratizar mais, para que essas pessoas que fazem cultura, que trabalham com o imaginário, com herança, com as nossas identidades, possam sim exercer esse papel motivador, transformador, agregador, questionador, e serem devidamente recompensadas por isso.

O que caracteriza um bom jornalista de cultura?

Um bom jornalista de cultura, meu velho, tem que ter o espírito de José Teles [ex-crítico musical do Jornal do Commercio]. Tem que ser uma pessoa sempre preocupada em acompanhar a marcha das coisas que estão acontecendo. Não ficar acomodado num só estilo, num só gênero, nicho. [Deve] buscar sempre referenciais históricos e, ao mesmo tempo, estar antenado com o que está acontecendo.

As coisas mudam muito rapidamente, novas modas, novas frentes se abrem e um bom jornalista de cultura tem que saber acompanhar, enxergar essas transformações que estão ocorrendo.

Ao mesmo tempo sem deixar de ter a sua referência histórica, cultural, sem deixar de valorizar a sua tradição, as coisas que ocorreram aqui no Recife e que ocorrem em Pernambuco. Não pode simplesmente se acomodar como jornalista. Tem que ser sempre ativo e atuante e aberto a tudo de novo que ocorre.

Ouça o programa InterD – música e conhecimento #83, do qual Marcelo Pereira participou. A participação dele se encontra no segundo bloco, que se inicia no minuto 29:25.

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