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NFTs: revolução no mundo da música ou não?
Certificados digitais de exclusividade geram negociações multimilionárias e vivem explosão internacional, mas especialistas advertem: moda pode ser insustentável e demanda quantidades brutais de energia elétrica
Por Fabiane Pereira, do Rio
Via UBC
Tudo começou com as artes plásticas e visuais. Os NFTs (tokens não fungíveis, na sigla em inglês), espécie de registro único e exclusivo de uma obra, se tornaram um ativo valorizadíssimo por se configurarem como um certificado de autenticidade à prova de fraude. A comercialização digital desses tokens deu origem a um mercado aquecido e multimilionário. Em março, por exemplo, a casa de leilões Christie’s vendeu por quase US$ 70 milhões o NFT de uma obra visual digital de um até então desconhecido artista chamado Beeple. Outros inúmeros casos de tokens vendidos por centenas de milhares de dólares ou até milhões se acumulam. O salto para outras artes, como a música, era só uma questão de tempo. Mas nem todo mundo parece estar tão empolgado com a “novidade”.
A coisa, grosso modo, funciona assim: um artista cria uma obra qualquer que possa ser compartilhada digitalmente (uma ilustração, um vídeo, uma música, uma performance, um poema). Depois, associa a ela um token não fungível (ou, seja, que não pode ser trocado por outro equivalente), uma certificação que congrega uma série de dados da obra: data de criação, autor, tipo e classificação, preço estimado e demais informações.
O que se comercializa neste novo mercado é o token em si, o próprio NFT, e não a obra, que, em muitos casos, pode ser baixada na internet. O colecionador será o único proprietário do NFT, que comprova que ele é o dono exclusivo da obra original. Parece algo difícil de imaginar, mas já ocorre no mundo da arte física. Qualquer um pode ter uma reprodução da Monalisa ou sua imagem impressa em pôsteres, camisetas ou cartões postais, mas o único dono do “NFT” dela é o Museu do Louvre, em Paris.
E a música?
No âmbito da música, plataformas que certificam canções com NFTs têm vinculado a aquisição da obra à propriedade de todos os direitos autorais futuros relacionados a ela. É o que acontece na Phonogram.me, uma plataforma de certificação musical por NFTs criada no final de março, no Brasil, e que tem o músico André Abujamra como embaixador.
“A Phonogram.me é uma plataforma onde os artistas, produtores fonográficos e editoras podem vender não apenas discos com certificado NFT, eles podem literalmente leiloar os copyrights da música, ou seja, o direito sobre o fonograma. A ideia é colocar na mão dos criadores, das gravadoras e de quem mais tiver interesse a chance de lucrar com a valorização do mais importante: a música”, explica Abujamra em vídeo publicado em seu perfil no Instagram.
Mas quanto vale a venda total de uma canção, direitos incluídos? Quem estabelece esse preço? Trata-se de um tipo de mercado sustentável? Todas essas são perguntas que ainda esperam respostas definitivas.
A consultora em negócios da música Guta Braga explica que a inovação tecnológica que alguns já anunciam como a “revolução do mercado de música” precisa de mais tempo para análise e compreensão.
“Acredito que toda inovação traz novos ventos e, com eles, oportunidades para nosso mercado. Principalmente para autores e artistas ávidos por novas fontes de receita, já que o mercado de streaming não tem garantido a sobrevivência de muitos que vivem da música. Não sei se o NFT se traduzirá em modelo que revolucionará o mercado. Acredito que ainda seja muito cedo para tal conclusão.”
O advogado Sydney Sanches concorda com ela e diz que o momento é de muito mais perguntas do que respostas. “A música vem vivendo uma revolução de disponibilização, acesso e consumo com os negócios digitais inimagináveis e de forma muita rápida. Talvez a expressão ‘revolução do mercado da música’ seja mais retórica do que efetiva, na medida em que a exploração via NFT ainda é nova e pendente de confirmação de sua viabilidade. Talvez seja melhor tratar o assunto como nova oportunidade de negócio, que dialoga com os inúmeros cenários comerciais de exploração de músicas na Internet.”
Guta Braga não acredita numa multiplicação imediata de negócios na música baseados neste modelo. “Ainda não entendi por exemplo como fica a questão do pagamento de direitos artisticos, autorais e toda a cadeia de proprietário dos conteúdos. Ainda não está claro para mim o modelo de negócio. Acho que ainda está na esfera do hype, onde poucos entram na brincadeira. O mercado de criptomoedas é muito volátil e movido a especulação. Um mercado para poucos privilegiados. Estou estudando, e acho tudo um pouco prematuro para apostar como um modelo revolucionário.”
Outros analistas, como Seth Godin, fundador da prestigiosa plataforma de cursos e seminários para profissionais –inclusive da arte– Akimbo, são pessimistas. Num artigo publicado no seu influente blog, ele diz crer que os NFTs são uma armadilha perigosa e insustentável. Impactada pelo hype de que fala Guta Braga, a comercialização desses tokens não poderia se manter muito tempo na casa das centenas de milhares ou dos milhões de dólares, crê Godin. Em algum momento, a moda simplesmente vai passar, e muitos colecionadores que pagaram fortunas pelos NFTs poderão simplesmente perder tudo.
Na música, a aquisição de todos os direitos sobre uma canção é algo mais tangível, mas poderá ou não representar um retorno financeiro ao comprador mais adiante. A aposta é de alto risco e pouca certeza.
Energia sem fim
Além disso, inúmeros críticos dos NFTs lembram um dado ao qual nem todo mundo atenta: para gerar certificações, complexas e repletas de dados, são necessárias gigantes quantidades de energia elétrica, o que impacta o meio ambiente de uma maneira sem precedentes.
Estima-se que o conjunto dos principais geradores de tokens gastaria a mesma eletricidade que um país pequeno para criar as certificações mensalmente. Se o mercado continuar a se aquecer, “seriam necessárias usinas elétricas só para alimentar as certificações da Christie’s ou da feira de arte da Basileia”, exemplifica Godin. “É um despropósito fadado ao fracasso”, vaticina.