O médico zen budista que trabalha com a causa LGBTQIA+; conheça o Monge Yakusan

 O médico zen budista que trabalha com a causa LGBTQIA+; conheça o Monge Yakusan

O médico zen budista Monge Yakusan. Foto: Acervo pessoal

 

 

O Monge Yakusan é uma das figuras à frente da Rainbow Sangha, grupo budista brasileiro que dialoga com outras religiões sobre sexualidade e integração

Por AD Luna
@adluna1

“Budismo integra, não segrega. Vamos celebrar a diversidade e não a adversidade”. Este é o lema que norteia a Rainbow Sangha, grupo budista brasileiro de escolas tradicionais dedicado a acolher o público LGBTQIA+. Ao arco-íris (rainbow) integra-se a comunidade (sangha), considerada uma das “três joias” desta prática filosófico-religiosa criada, há cerca de 2600 anos, pelo indiano Sidarta Gautama. Residente em Porto Alegre, o médico de família e comunidade André Luiz da Silva, ou Monge Yakusan, é um dos fundadores da RS. Ele participou da edição #90 do InterD – música e conhecimento, veiculado na Universitária FM do Recife – e que também pode ser ouvido nas principais plataformas digitais (clique aqui para escolher a sua).

Yakusan graduou-se na UFRN, possui mestrado em Ciências Médicas e doutorado em Ciências da Saúde. É professor da escola de medicina da PUCRS e do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA).

“O médico de família e comunidade trabalha na atenção primária. Tanto na rede pública, no SUS, como também na rede conveniada. A gente faz uma abordagem integral das pessoas, desde a criança até o idoso e pessoas terminais, pacientes em cuidados paliativos”, explica.

Médico zen budista

André Luiz foi ordenado monge da ordem Soto Zen, em maio de 2018, pela Monge Coen Roshi. Filho de mãe católica e pai pastor evangélico, Yakusan diz que teve “discussões importantes” dentro de casa. E que, em certo momento da vida, decidiu que não seguiria os passos cristãos dos genitores.

No início da sua jornada espiritual, estudou por muitos anos a tradição judaica da Cabala, o que incluiu viagem para Israel. Até que se deparou o mindfullness, técnica meditativa de atenção plena.

“Fiz um curso de instrutor, para poder ensinar para os pacientes. Só que aí, quando fui olhar a raiz do mindfullness, vi que ele é na verdade uma mescla da meditação vipassana, do budismo theravada, e do zazen que é obviamente do zen”, conta.

A aproximação com a Monja Coen se deu durante um retiro zen. “Ocorreu uma liga imediata, de mestre e discípulo e seguí minha formação com ela”.

Monge Yakusan: médico e zen budista
  • Facebook
  • Twitter
  • Pinterest
  • LinkedIn
Monge Yakusan e a Monja Coen. Foto: Arquivo pessoal

Budismo: uma religião sem Deus e sem alma

Normalmente, o budismo é classificado como religião. Mas, para muita gente, talvez uns 90% da população brasileira, dando um chute especulativo, religião e/ou fé implica em crer em um deus criador, como no cristianismo. Não é o caso do conjunto de ensinamentos do Buda, nos quais ele procurava não especular sobre a existência ou inexistência de tal ser.

“Buda não é deus na nossa religião, é o grande mestre fundador, que entendeu uma série de elementos da própria lei de funcionamento do Universo – o qual a gente chama de Darma. Ele falou de coisas como impermanência, que é uma constante em nossas vidas”, expõe Yakusan.

E a alma? “A gente tem a tendência de achar que este euzinho, com essa estrutura corporal, com este cérebro, vai viver para sempre. ‘Vou estar sempre assim e vou ficar pulando de corpo em corpo com esta mentalidade’. E não é assim. Como diz aquele filósofo espanhol, Ortega y Gasset: ‘eu sou eu e as minhas circunstâncias'”.

Para reforçar a contraposição à ideia da existência de um eu ou alma fixos, Yakusan diz que precisamos pensar que as coisas estão em transformação constante, cada situação é uma situação nova. “Existe algo, sim, mas que não é exatamente essa coisa da figura do fantasminha. Não é bem assim, porque obviamente os séculos passam, o tempo muda e a impermanência da vida está aí”.

Indagado sobre como o budismo “vê” a homossexualidade e outras manifestações da diversidade de gênero humana, o Monge Yakusan responde: “Brinco que o budismo ‘não vê’, porque na verdade a homossexualidade é uma condição que não impede a pessoa de ser um praticante, de ter um despertar, um olhar para a realidade e de ter uma vida ética”.

Monge Yakusan: o médico zen budista que trabalha com a causa LGBTQIA+
  • Facebook
  • Twitter
  • Pinterest
  • LinkedIn
Monge Yakusan na luta contra a pandemia da covid-19. Foto: Arquivo Pessoal

Criação da Rainbow Sangha

De acordo com o Monge Yakusan, a Rainbow Sangha iniciou suas atividades, há dois anos, com “dois amigos muito queridos”: o monge Jean Tetsuji e Icaro Matias, um leigo [budista]. Segundo ele, os trabalhos começaram com uma polêmica, embalada pela pergunta: “por que ter uma discussão LGBT dentro do budismo, se este já acolhe essa população?”

Como resposta, Yakusan diz que o alvo é “uma sociedade ‘lgbtfóbica’, do país que mais mata LGBTs no mundo, onde a expectativa da população trans é uma das menores do mundo. Essa discussão é tão importante quanto raça cor”, defende.

Citando palavras atribuídas ao próprio Buda, o médico e monge reforça o caráter acolhedor do budismo. “Eu e todos os seres, simultaneamente com a grande Mãe Terra, nos tornamos o caminho”. Assim, “ele não falou apenas os héteros, apenas os homens, os brancos”, complementa.

Diálogo com outras religiões

Ao longo de 2020, integrantes da Rainbow Sangha organizaram encontros com pessoas de outras religiões. Entre elas, uma mãe de santo, pastoras anglicana e trans de igreja cristã. Yakusan diz que o grupo quer ir além da inserção da população LGBT.

“Estamos falando de integração: fazer com que os diversos setores, elementos, religiões e aspectos do ser humano dialoguem. A questão da sexualidade ou gênero é um detalhe. O mais importante é a possibilidade de ter uma vida ética, de poder cultivar a cultura de paz direitos humanos, e respeito ao meio ambiente. Inclusive, esse é o tripé da nossa ordem do Soto Zen Budismo”.

Assista a vídeos dos encontros, acessando o canal da Rainbow Sangha no Youtube.

Veja também

Pastor critica intolerância cristã

Zen budismo, ciência e (homo)sexualidade com Monge Genshô

O que é religião?

 

    Posts Relacionados

    Pin It on Pinterest

    Share This