Ensino de jornalismo científico no Brasil é insatisfatório
Presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência, Moura Netto, participou do programa InterD
Por AD Luna
@adluna1
Como anda a formação nas universidades dos futuros jornalistas especializados em ciência? Por que é preciso que a mídia invista na difusão do método e do pensamento científico e não só na divulgação dos feitos e tecnologias viabilizados por tais áreas do conhecimento humano. Esses e outros temas foram abordados na edição #92 do InterD – música e conhecimento, com a participação do jornalista, doutor em ciências e presidente da Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência, Moura Leite Netto, veiculado na rádio Universitária FM do Recife. O conteúdo em áudio também está disponível no podcast InterD – ciência e conhecimento .
Ouça entrevista completa com Moura Leite Netto InterD – ciência e conhecimento
Ouça “RedeComCiência – Rede Brasileira de Jornalistas e Comunicadores de Ciência” no Spreaker.
Criada há três anos, por iniciativa do jornalista especializado em saúde André Biernath, a RedeComCiência se define como uma associação apartidária e sem fins lucrativos que reúne profissionais interessados em discutir e melhorar a qualidade do jornalismo e da comunicação de ciência no Brasil.
As sementes da criação da iniciativa foram plantadas quando Biernath – hoje atuando na BBC Brasil – participou de uma encontro de jornalismo científico no exterior. Ao observar como profissionais da comunicação estavam bem organizados nessa área, ele idealizou a criação de uma rede brasileira voltada para o jornalismo de divulgação científica. A primeira conversa se deu justamente com Leite Netto.
“Daí, de uma maneira ainda informal, convidamos a nossos rede de contatos no Facebook e nas outras mídias sociais. Fomos atraindo pessoas que acabaram vendo na necessidade de promover a ciência, de dar visibilidade para a produção científica nacional”, conta Netto.
Com o tempo, a rede foi crescendo, com pessoas participando ativamente das reuniões mensais, a partir das quais surgiram os primeiros projetos, ações e a formação de uma diretoria, eleita em fevereiro de 2019.
“Fizemos trabalhos importantes, como a realização de congressos, de eventos. Inicialmente presenciais e depois no ambiente on-line. Tivermos também workshops de jornalismo científico em universidades, atuamos em eventos, congressos. Foram muitas atividades na primeira gestão”, relembra.
Formação acadêmica de jornalistas
A eclosão da pandemia da covid-19 acabou por exigir dos meios de comunicação maior espaço para cientistas, pesquisadores e exigir mais dos jornalistas especializados ou não em ciência. Indagado sobre como anda a formação acadêmica de profissionais mídia focados nessa área, Moura Leite não tem notícias animadoras.
“Infelizmente, são pouquíssimos os exemplos de faculdades e universidades que tenham em sua grade disciplinas que, de fato, abordem questões relacionadas ao jornalismo científico. Muitas vezes, a ciência é apresentada de uma maneira muito rasa, isso quando entra numa disciplina de jornalismo especializado. Não há um preparo, um despertar para o jornalismo científico durante a graduação”, expõe.
Para ele, é preciso que os estudantes de jornalismo tenham real contato com o método científico e meios que o façam despertar forte desejo de atuar com ciência. Mas o que acontece é essa pessoa chega no mercado para trabalhar em outras áreas. Com a pandemia, a urgência do jornalismo científico ficou ainda mais evidente.
“Jornalistas que estão na redação se defrontaram com a necessidade de falar de covid, sobre questões que não estavam acostumados no dia a dia. Profissionais de outras editorias tiveram que abordar a ciência, e muitos tropeços ocorreram na comunicação por conta de um despreparo, um desconhecimento do método científico”, avalia Netto.
Dentre os poucos exemplos de formação em jornalismo científico, o presidente da RedeComCiência cita o Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor), da Unicamp – o qual, entretanto, está apenas ligado ao âmbito da pós-graduação.
É preciso comunicar a ciência com empatia
Ao mesmo tempo em que ganhou forte projeção, a ciência passa por ataques, distorções e incompreensões em certos veículos de comunicação como programas de rádio, TV, e, claro, nas redes sociais. Seja de maneira deliberada, por ignorância ou ingenuidade, informações erradas sobre questões científicas são bastante difundidas.
“Com a pandemia de covid-19, se tornou ainda mais urgente que vozes importantes da ciência chegassem nas pessoas de uma forma clara concisa, objetiva, passando a mensagem certa – baseada em evidência científica”, diz Moura Leite. Ao mesmo tempo, ele aponta que é importante sempre deixar claro o processo constante de mudança pelo qual se caracteriza o conhecimento científico.
O jornalista enfatiza a preocupação de a comunicação ser feita com empatia. Pois é preciso ter consciência de que muita gente tem dificuldade em interpretar aquilo que é baseado em evidências da opinião e do simples achismo.
“Muitas vezes, a mentira, a falsa notícia, o negacionismo, é bem mais palatável do que a verdade que a ciência pode trazer. É muito mais fácil, infelizmente, você acreditar que um medicamento que não tem qualquer evidência científica de eficácia vai ser capaz de curar uma doença, uma pandemia que está assolando o mundo”, observa Leite.
Caso semelhante, lembra Moura Neto, aconteceu com a fosfoetanolamina e a “pílula do câncer”. “Infelizmente, pouco se aprendeu de fato com essa experiência e isso está se repetindo agora, com esse kit-covid, propagado por vozes na política”, lamenta.
“É papel da RedeComCiência, do jornalista de ciência e de divulgadores científicos se contraporem a esse tipo de informação. Mas com calma, serenidade, clareza, e trazendo aquilo que a ciência aponta que de fato é eficaz. Nesse momento, eficaz é o distanciamento social, é respeitar as diretrizes apontadas pela Organização Mundial da Saúde (OMS)”, defende.
A ciência não é feita de um dia para o outro
Divulgadores científicos, a exemplo de Drauzio Varella, Ronaldo Pilati, Carlos Orsi e Natalia Pasternak – esses dois, membros do Instituto Questão de Ciência – defendem que a forma como o pensamento científico funciona deveria ter mais projeção. Entretanto, o que se observa é a ciência sendo mostrada mais por meio das tecnologias que ela produz e menos pelo modo como ela funciona.
Moura Neto pensa de forma semelhante às pessoas citadas. Para ele, quando se mostra a tecnologia já pronta e não se explica qual foi o método científico por trás, perde-se uma oportunidade de fazer com que a população entenda todo o processo que culminou na produção de ferramentas, produtos, instrumentos que todos nós usufruímos no dia a dia. É necessário entender que “a ciência não é feita de um dia para o outro”.
Como exemplo, ele cita a leitura do genoma de uma pessoa. “Para ser feita em quatro horas, foi necessário que o primeiro genoma humano tenha demorado dez anos para ser sequenciado. É importante que a sociedade entenda o passo a passo, que é bem árduo”, defende.
O entendimento do método pode facilitar a compreensão do quão essencial é a ciência. “A sociedade vai lutar para que a ciência seja financiada, reconhecida como uma prioridade. Assim como educação, segurança, saúde e tantas áreas das nossas vidas que também são essenciais”.