O que é religião? Não há definição que dê conta do fenômeno religioso

 O que é religião? Não há definição que dê conta do fenômeno religioso

Imagem de Thomas B. por Pixabay

 

Impossível pensar a religião seguindo o modelo dos monoteísmos depois de conhecer a diversidade das tradições indianas

Por Derley Menezes Alves
Doutor em Ciências das Religiões pela UFPB

O que é religião ? A resposta curta é que não há uma definição geral de religião que dê conta de toda variedade do fenômeno religioso. Veja, só para dar um exemplo de como é complicado chegar a uma definição: o ocidente é marcado principalmente pelo cristianismo, então, para qualquer pessoa na rua, muito provavelmente religião é seguir os mandamentos de Deus, ou um conjunto de práticas e crenças que levam ao céu.

Mas essa definição funciona somente para os grandes monoteísmos, se for considerar o budismo theravada, por exemplo, temos uma religião que não acredita em um deus com as características do deus bíblico. E aí? É ou não é religião? Entende?

Tem um estudioso chamado Klaus Hock que escreveu algumas considerações sobre o conceito de religião. O livro dele chama-se “Introdução à ciência da religião”. Nesse livro ele fala que o psicólogo da religião James Leuba chegou a reunir 50 definições de religião diferentes para criticar e oferecer a dele. Só por aí já temos 51 definições, né?

Religari

Se formos investigar a etimologia da palavra, vamos descobrir que essa palavra nasce dentro da cultura ocidental e que não necessariamente outras culturas vão ter uma palavra 100% equivalente para descrever o que descrevemos quando falamos “religião”.

No caso, há uma ideia bastante difundida segundo a qual religião teria sua origem na palavra religare. Essa origem da palavra se encontra em um autor cristão da patrística chamado Lactâncio. Santo Agostinho adotou essa definição e por isso ela ainda hoje é a mais aceita.

Culto aos deuses

Mas um outro autor chamado Cícero nos apresenta religião como culto aos deuses, no sentido do ritual executado corretamente. Temos então relegere como observância cuidadosa oposto a neglegere como descuido ou negligência quanto ao rito. Temos na disputa do sentido do termo duas formas de se pensar a religião: como prática correta no rito ou culto e como busca interior pela conexão perdida com o divino.

Para não falar mais do que já falei até agora sobre isso, quero comentar um pouco sobre religião enquanto objeto de estudo científico.

Nesse caso temos um termo usado para identificar vários fenômenos muito diferentes entre si em um contexto de investigação rigorosa sobre essas várias coisas chamadas religião. Um dos caminhos para poder falar das religiões é buscar qual seria o elemento essencial comum a todas elas.

Os dois caminhos principais são o substancialista, ou seja, há uma coisa comum a todas as religiões e o funcionalista que não busca o elemento universal, mas o que as religiões realizam, as estruturas comuns a todas elas e as funções exercidas pelas religiões. As duas estratégias possuem pontos positivos e negativos.

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Peregrinos em torno da Caaba, em Meca, Arábia Saudita. Imagem de Konevi por Pixabay

Hock vai dizer que, enquanto objeto de estudo o termo religião implica vários fatores e dimensões que tornam possível para o cientista da religião inserir seu objeto particular no ambiente adequado.

Ele acaba oferecendo uma definição de religião como uma construção científica que envolve definições que vão enfatizar tanto aspectos de conteúdo quanto de funções (uma tentativa de fundir as duas grandes linhas de definição que eu falei antes). Os elementos presentes nessa construção científica incluem dimensões éticas e sociais, rituais, cognitivas e intelectuais, sociopolíticas e institucionais, simbólico-sensuais e experienciais.

Assim temos uma definição de religião que considera o termo como construto científico e busca listar as várias características de modo independente do conteúdo de cada crença em particular.

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Monges da tradição budista theravada. Imagem de Sasin Tipchai por Pixabay

Religião como totalidade quádrupla

Essa ideia da religião como fenômenos dotados de certas características não está só na obra de Hock. Tem um outro estudioso do tema chamado Hans-Jürgen Greschat que apresenta o objeto religião em três afirmações: o objeto religião é uma totalidade; tal totalidade se apresenta de modo quádruplo e é uma coisa viva que não para de se transformar.

As quatro perspectivas que podem ser vistas em uma totalidade chamada de religião são: comunidade, sistema de atos, conjunto de doutrinas e sedimentação de experiências.

Este autor apresenta uma lista de aspectos mais reduzida do que Hock e isso nos mostra que o caminho mais útil e interessante na busca por uma definição de religião passa por entender o fenômeno religioso em toda sua complexidade e variedade, passa por apresentar características diversas de vários campos da vida humana que se manifestam nos vários fenômenos religiosos.

O que é religião no oriente?

Veja que há um esforço no campo da ciência da religião no sentido de manter a definição ampla e aberta. O contato com religiões orientais, notadamente indianas é um dos fatores que provocou essas reflexões. Impossível pensar a religião seguindo o modelo dos monoteísmos depois de conhecer a diversidade das tradições indianas.

Não só as indianas, a partir do XIX há um contato com outras tradições também, como as chinesas, japonesas, tibetanas, coreanas etc.

Além disso, existem os novos movimentos religiosos com seus aspectos positivos e negativos e as mudanças dentro dos sistemas religiosos tradicionais. Tudo isso só confirma a importância de se entender de modo amplo e aberto o fenômeno religioso.

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