Recife na visão do Barão de Marajó

 Recife na visão do Barão de Marajó

Livro raro do século 19 é relançado em versão digital

Um livro raro, do século 19, está novamente disponível para os leitores.Escrito por José Coelho da Gama e Abreu, o Barão de Marajó, a obra “Do Amazonas ao Sena, Nilo, Bósforo e Danúbio” foi publicada em três partes, entre 1874 e 1876. E só por uma editora portuguesa, a Universal, de Lisboa. Nela, o autor narra uma viagem de barco entre Belém e Recife, com escalas em várias capitais brasileiras. Depois, ele segue para a Europa e para a África.

Na época da publicação, que ocorreu somente em Portugal, o livro foi elogiado pela crítica portuguesa: o escritor Camilo Castelo Branco o chamou de “moderno, com superior quilate de despretensão”. No entanto, de lá pra cá a obra caiu no esquecimento.

É impossível achá-lo em sebos e livrarias e mesmo exemplares em grandes bibliotecas são raríssimos. Isso acaba de mudar por iniciativa do projeto Grandes Viajantes, lançado pelo site 360meridianos.com e que propõe resgatar livros raros de literatura de viagem.

Toda a primeira parte da obra, em que Gama e Abreu narra a viagem entre Belém e Recife, antes do embarque para a Europa, foi atualizada. O livro tem 130 páginas, que incluem uma reportagem biográfica sobre o autor e notas explicativas sobre fatos que ele cita em seus textos.

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Barão de Marajó. Foto: Autoria Desconhecida/Domínio Público.

Embora narre uma grande viagem da Amazônia até Pernambuco, a obra dá destaque para Recife

“Para o Barão de Marajó, havia mais bom gosto nas construções e prédios de Recife que no Rio de Janeiro, na época capital do Império. Ele afirmava que Recife um dia se tornaria a segunda cidade mais rica do país. E elogiava a posição estratégica da capital pernambucana para os deslocamentos transatlânticos, seu papel portuário. O escritor dizia que Recife seria para o Brasil o que Liverpool é para o Reino Unido”, diz Natália Becattini, jornalista e uma das organizadoras do projeto.

Autor de outros dois livros, ambos sobre a Amazônia, José Coelho da Gama e Abreu não se considerava um escritor. Ele fez carreira na política: foi presidente das províncias do Pará e do Amazonas, deputado, senador e prefeito de Belém, entre 1891 e 1894.

Era amigo de Dom Pedro II e abolicionista, e reclamava do pouco interesse do turista brasileiro em conhecer o próprio país. Recebeu do Império o título de Barão de Marajó.

Na entrevista abaixo, Natália Becattini apresenta mais detalhes sobre a obra e o projeto.

Como surgiu a ideia livros antigos em novos formatos?

Na realidade, a pandemia paralisou o modelo de negócio do 360meridianos.com, que é um site de turismo, focado em dar dicas de viagem e estimular seus leitores a cair na estrada. Num momento em que viajar não é possível, nosso desafio foi: como estimular viagens sem que a gente tenha que sair de casa? Como viajar do conforto do sofá?

Como a equipe do 360meridianos.com lê muito, a resposta surgiu naturalmente, pela literatura. A gente acredita que algumas das histórias mais incríveis e bonitas já escritas são sobre viagens. A partir daí a gente foi desenvolvendo a ideia até chegar ao formato final.

Como a ideia era republicar livros de outros escritores, era fundamental que as obras já estivessem em domínio público, então necessariamente são livros de pessoas que já morreram há pelo menos 70 anos.

Mas isso não basta, não adianta a gente reeditar uma obra famosa e que todo mundo já leu, que encontra com facilidade, de escritores como Machado de Assis ou Mário de Andrade, por exemplo.

Então passamos a buscar por escritoras e escritores esquecidos, gente que sofreu uma espécie de memoricidio, que até foram lidos em seu tempo, mas que hoje pouca gente conhece.

Ao escolhermos um livro para reeditar, buscamos então que seja uma obra rara, difícil de ser encontrada. É um trabalho de curadoria enorme, mas bem gratificante.

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Poderia citar mais algumas passagens interessantes relacionadas ao Recife?

Separei três trechos do Barão de Marajó, tirados do livro:

“A circunstância dos dois rios dividirem a cidade em três bairros, ligados entre si por pontes, é um embelezamento que a torna ao mesmo tempo em extremo defensável, e fácil de aprovisionar por mar e por terra, mas não são os seus únicos dotes a beleza de seus rios e de suas margens; as elevações dos terrenos vizinhos tornam-na ainda mais alegre e acidentada; Olinda ao longe em uma eminência oferece um agradabilíssimo golpe de vista”.

“A capital desta província é a terceira e em breve será a segunda cidade do Império; difícil será encontrar uma posição mais feliz do que a sua; situada à beira-mar na confluência dos dois rios, Capiberibe e Beberibe, e defendida por um recife, tem todos os predicados para ser uma das melhores cidades marítimas do Brasil”

“comparando o Rio de Janeiro, capital do Império, e como tal cidade onde se acham acumuladas muita grandeza e muitas riquezas, com a cidade do Recife, apenas capital de uma província, acho que esta última dá provas de melhor gosto do que aquela nas suas casas de campo e no seu número, relativamente falando”.

Que outros títulos já lançados poderiam destacar?

O primeiro foi O Gigante Brasilião, de Júlia Lopes de Almeida. ela foi uma importante escritora brasileira na virada do século 19 pro 20. Ajudou a fundar a Academia Brasileira de Letras, mas foi impedida de entrar por ser mulher. No lugar, a ABL convidou o marido de Julia. O Gigante Brasilião é uma história mítica. Fala de um menino órfão que viaja pelo interior do Brasil enquanto busca pelo pai, de quem ele só tinha ouvido falar.

O segundo livro foi Viagem a Sorrento, de Nísia Floresta, uma pioneira da educação, da literatura e do jornalismo brasileiros e que produziu muito na segunda metade do século 19. Na obra, Nísia narra como era viajar pela Itália antes da reunificação do país, quando cada cidade era um Estado diferente, exigia burocracias diferentes.

O terceiro livro foi do cronista João do Rio. É o relato de uma viagem entre o Rio de Janeiro e Congonhas, em Minas Gerais, feita de trem. João do Rio vai acompanhar uma importante festa religiosa, o Jubileu de Congonhas. A viagem ocorreu em 1907 e foi publicada em capítulos num jornal da época, A Gazeta de Notícias. Depois, integrou duas coletâneas do autor, uma editada só em Portugal, em 1912, e outra editada pela Biblioteca Nacional. A edição de Dias de Milagre do Grandes Viajantes é a primeira já feita sem ser numa coletânea.

O quarto livro é o de José Coelho Gama e Abreu, o Barão de Marajó, e narra uma viagem entre Belém e Recife, feita de barco a vapor. De Recife o escritor seguiu para a Europa e o livro ainda teve mais duas partes.

O quinto livro vem em novembro. Posso adiantar que vai ser um livro de um escritor europeu do século 19, mas que fala do Brasil. É uma obra muito interessante e ilustrada.

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