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“Caro Brasil”, por Neil deGrasse Tyson
Discípulo do também astrofísico e divulgador científico Carl Sagan, Neil deGrasse Tyson escreveu na sexta (30) uma carta aberto, em sua conta no Twitter. O texto “Caro Brasil” elogia e incentiva a ciência brasileira.
Tyson é diretor do Planetário Hayden, em Nova York, e trabalha em diversas frentes no intuito de divulgar a ciência. Ele é o atual apresentador da série “Cosmos”, criada por Sagan em 1980.
A mensagem integra um conjunto de textos que se transformou em livro, “Letters from an Astrophysicist (Respostas de um astrofísico)”.
Dear Brazil,https://t.co/HBJbSQcGmt pic.twitter.com/ujLu3SOTdv
— Neil deGrasse Tyson (@neiltyson) October 30, 2020
Caro Brasil,
Das minhas muitas viagens à América do Sul, nunca tive a oportunidade de visitar você. A maioria delas teve como destino a cordilheira dos Andes, com o objetivo de observar o magnífico céu do hemisfério sul através de telescópios de alta tecnologia de um consórcio internacional. Mas, mesmo assim, tenho pensado em você com bastante frequência.
Como nativo dos Estados Unidos da América, sei em que costumamos pensar quando se trata de você. Não seguindo uma ordem específica, você possui a maior e mais importante floresta tropical do mundo.
Você abriga o maior rio do mundo, que, a cada minuto que passa, escoa para o oceano Atlântico um volume de água que daria para encher um estádio de futebol. E, sim, nós sabíamos da existência de seu rio e de sua floresta tropical muito antes de a Amazon.com1 pegar o nome emprestado.
Quer mais? Não há quem não goste de castanha-do-brasil. Na verdade, nos EUA, nós precisamos pagar pelo pacote “premium” para que elas venham incluídas em nossos mix de castanhas. E mesmo aqueles de nós que quase não acompanham futebol sabem da existência de seus times famosos, ficando na maior expectativa de ver você na final da Copa do Mundo a cada quatro anos.
Também sabemos das suas praias deslumbrantes pelas músicas que as cantam—a “Garota de Ipanema” sendo uma delas. Sabemos de suas festas populares, principalmente o Carnaval, e tentamos imitar a intensidade e a alegria dessas celebrações—com dança e música—aqui no nosso hemisfério. Sabemos do seu café. E eu, particularmente, amo a sua bandeira.
Há um pedaço do céu noturno estampado nela; mais de duas dezenas de estrelas retraçam constelações autênticas, incluindo o Cruzeiro do Sul.
Então, se você perguntasse a qualquer um de nós nos EUA o que vem à nossa cabeça quando seu nome é mencionado, normalmente selecionaríamos algo a partir dessa lista.
Você sabe do que nós não nos damos conta? Metade das vezes que embarcamos em voos domésticos, da American Airlines ou de outras companhias aéreas, viajamos num avião da Embraer. Tudo bem, o folheto com instruções de segurança traz impresso nele o nome Embraer.
Nós podemos até achar Embraer escrito em letras miúdas em algum lugar da fuselagem. Mas quase nenhum de nós sabe que a aeronave é projetada e fabricada no Brasil. Você poderia alardear “Tecnologia Brasileira,” mas não o faz. Por que não? A Alemanha não hesita em se gabar da dela. Nada mais justo, claro.
Todo mundo conhece a qualidade dos produtos fabricados na Alemanha, que, por sua vez, permeiam sua economia aeroespacial, a terceira maior do mundo.
Mas, espere. Um dos grandes pioneiros nos primórdios da aviação era brasileiro. Engenheiro brilhante e inventivo, altamente condecorado, Alberto Santos-Dumont liderou a transição mundial do transporte aéreo mais leve que o ar para o mais pesado que o ar. O valor de uma semente cultural como essa, plantada no nascimento de uma indústria, é incalculável.
Um século depois, você se tornou líder em tecnologias de biocombustíveis—um passo fundamental em direção a uma economia verde onde nossa harmonia com a natureza vai determinar se iremos prosperar, sobreviver ou nos extinguir.
Você também possui uma ambiciosa agência espacial, além de ser a sexta maior indústria aeroespacial do mundo.
Na América Latina, você também é líder em Tecnologia da Informação. E num país famoso por sua agricultura, quase um terço de sua economia se apoia num setor produtivo impregnado de tecnologia.
Então talvez seja a hora de o mundo saber mais a respeito disso. Talvez seja a hora de os brasileiros saberem mais sobre isso. Talvez esteja mais do que na hora de você exibir produtos que declarem: “Fabricado no Brasil.”
Seja o que mais for, ou não, verdade no mundo, as economias de crescimento do futuro—mesmo as que possam ser puramente agrícolas—vão girar em torno dos investimentos feitos hoje em ciência, tecnologia, engenharia e matemática.
Numa democracia, esses investimentos fluem de um eleitorado letrado cientificamente, que elege líderes esclarecidos e que entendem o valor da educação, das pesquisas e das descobertas. Sem essas perspectivas, ainda estaríamos vivendo em cavernas, com alguns de nós resmungando: “Você não pode explorar o mundo exterior. Primeiro precisa resolver os problemas da nossa caverna.”
Para que ninguém se esqueça, o primeiro (e único) astronauta sul-americano foi um engenheiro aeronáutico brasileiro. E quando se deu o lançamento de sua missão? Em 2006, ano do centenário do primeiro avião bem-sucedido de Santos-Dumont. E o que ele levou para o espaço? Uma bandeira do Brasil e uma camisa da seleção brasileira de futebol.
Os países que mais passam por dificuldades no mundo tendem a ser aqueles com baixos níveis de instrução e com ausência de STEM3 em sua cultura. Você tem os recursos e o legado para liderar toda a América Latina, se não o mundo, no que um país do futuro deveria ser—no que um país do futuro deveria aspirar ser.
Se você abraçar e apoiar suas indústrias STEM—e o setor de tecnologia inteiro—então os sonhos dos alunos em toda a cadeia educacional não terão limites, conforme eles forem introduzidos num mundo em que foguetes são o que alimentam as ambições das pessoas que saem pela porta da caverna.
Atenciosamente,
Neil deGrasse Tyson