Mercado musical: o que mudou nas estratégias de lançamento?
“Tenha clareza que nem sempre o número de seguidores representa um número de fãs fiéis, que vão pagar por sua música. Não é porque você tem 1 milhão de seguidores que você vai esgotar show em estádio”
Por Katia Abreu e David Dines*
O período que passamos isolados fisicamente acelerou a digitalização da vida e impactou intensamente a forma como nos relacionamos com conteúdos na internet. Anos depois, já de volta a certa normalidade em nossas rotinas, as mudanças no consumo de música são percebidas no comportamento do público tanto online quanto offline. Conversamos com alguns artistas e suas equipes para entender como é promover um trabalho musical em um mundo hiperconectado e com constante disputa por atenção.
O isolamento social imposto pela pandemia de Covid-19 intensificou um movimento que já vinha se acontecendo na segunda metade dos anos 10: as redes sociais e outros espaços virtuais se tornaram centrais em nossas relações sociais e de consumo. À comodidade de alcançar pessoas e produtos com um clique se sobrepôs a necessidade: durante meses, era a única forma de interação disponível. Superada a explosão de lives e com a volta dos eventos presenciais, a corrida por atenção e visibilidade na web se tornou “o novo normal”, confundindo noções de relevância, construção de carreira e sucesso com a busca por números gigantes e alta performance.
“Sinto que tudo ficou intensificado e concentrado nas redes sociais, com excesso de oferta de conteúdo e uma nítida disputa por espaço. E com os aplicativos entregando cada vez menos conteúdos orgânicos, os artistas ficam sobrecarregados na tentativa de seguir um cronograma de posts com qualidade, na busca de se manterem visíveis”, desabafa a cantora Bárbara Silva.
Nesse ambiente com estímulos diversos e constantes, o mercado adotou o single como formato preferido (atualmente, representa 64,4% dos produtos distribuídos pela Tratore). A estratégia tem sido muito adotada para manter a audiência engajada com ações frequentes, como campanhas de pre-save, teasers e outros formatos de conteúdos antecipando cada lançamento. Mas será que é uma boa opção para todos?
Com mais de 20 anos de estrada na música independente, o cantor e compositor Tatá Aeroplano tem uma base de ouvintes estável com quem mantém relação bem próxima. Ele divide um pouco de suas experiências recentes.
“Em 2016 soltamos o álbum Step Psicodélico de surpresa sem teaser, data de lançamento e tudo mais. O resultado foi bem legal e a repercussão também. Em 2018 com Alma de Gato fizemos postagens antes falando que o disco ia sair, foto da capa do álbum… repercutiu bem, mas quando lançamos o álbum nas plataformas vimos que a repercussão nas redes foi menor, talvez por conta de ter falado muito do álbum antes de sair. Depois disso nos últimos álbuns, Delírios Líricos (2020), Não Dá Pra Agarrar (2022) e Boate Invisível (2023), voltamos a lançar os álbuns de surpresa e voltamos com uma melhor repercussão nas redes”.
Conexões, paciência e investimento
Flora Miguel, assessora de comunicação de artistas como Papisa e Renato Medeiros e idealizadora do evento de música e literatura BRECHA, recomenda o planejamento de ações para aquecer o público para um lançamento: “Iniciar as campanhas com boa antecedência, mas reforçar a informação sem soar desgastante – dando aquele jeitinho de contar sempre algo novo sobre o que você está divulgando. Defendo estudar o público que se quer impactar, de modo que a comunicação seja direcionada”.
Ela ressalta ainda a importância da construção de conexões reais para se destacar nesta época saturada de informações e fontes de entretenimento. “Quando o ao vivo se impossibilitou, tudo foi para o mesmo macroambiente, onde algo pode ser visto por muita gente ou impactar quase ninguém. O que poderia ser evidenciado nesse cenário? Tempo, constância e ligação afetiva”.
Bárbara Silva aponta a importância de parcerias e ações coordenadas em diversos meios, para expandir as conexões: “Um lançamento envolve reverberar um projeto em vários setores do mercado musical. O investimento deve considerar a divulgação na mídia, incluindo rádios, nas redes sociais, inclusive com campanhas pagas, o uso das ferramentas disponibilizadas pelas plataformas digitais e, sem dúvidas, no suporte e bom relacionamento com a distribuidora e o selo. Além disso, fazer mentorias com profissionais do mercado, participar de conferências e feiras ajuda muito. A gente precisa buscar esse conhecimento como artista independente e, se possível, estar acompanhado por pessoas qualificadas para que a gente consiga focar mais na arte em si”.
“O maior cuidado que entendo que a gente tenha que ter é não deixar de fazer o básico, ou seja, fazer um conteúdo que passe as informações do seu lançamento da forma mais direta possível. Ter um orçamento para que seu conteúdo tenha maior alcance através de anúncios pagos também é necessário. Outros dois pontos de atenção são: trabalhar na capilaridade e, ao longo do tempo, ir criando suas redes de contato direto, como grupo em aplicativos de mensagem e mailing”, aconselha Luis Haruna, produtor executivo d’A Banda Mais Bonita da Cidade.
“Essa capilaridade pode ser feita dentro de uma própria rede social, através de parcerias com outros perfis musicais e artistas, além de conteúdos que incentivem que seus seguidores ouçam e compartilhem seus lançamentos. Outra ideia é buscar locais na rede que não tratam sobre conteúdos de música, mas possuam alguma relação com a temática da sua música”, complementa.
Vida Walkiria, CEO e diretora de mídia da Dreamland, empresa que trabalha as redes sociais da Tratore e estratégias de comunicação para artistas como Joana Castanheira, Rasura e Marissol Mwaba, alerta para a importância de converter a relação com o público online em ações reais: “Como criar conteúdos que façam o fã ter vontade de sair de casa para comprar seu show por exemplo ou um produto da sua loja?”.
Entender se sua comunicação está sendo eficiente e com quem está comunicando é essencial para nortear como continuar o trabalho. Por isso, é importante monitorar os dados fornecidos por cada plataforma digital. “Analise seus insights, os dados que a rede social e as plataformas de streaming fornecem. Eles podem te dar muitas informações importantes para entender quem é o seu público e o perfil dele”, acrescenta Vida.
Encontros reais
Um estudo da tiqueteira Eventbrite analisou a venda de ingressos para shows no mercado estadunidense e constatou que os fãs de música estão comprando ingressos mais tarde do que nunca: 57% das vendas acontecem com uma semana ou menos de antecedência do evento. Em comparação a antes da pandemia, o tempo médio dos eventos até atingirem sold-out também encurtou: está 41% menor.
Se atrair as pessoas a ouvir sua música no conforto do lar é uma batalha, fazer com que elas saiam para assistir a um show é tarefa ainda mais complexa. “A gente compete com o descanso em casa, com as plataformas de streaming de filmes, programas de TV, além de outros shows, além do desafio da formação de público para nós artistas independentes”, comenta Bárbara Silva.
A tática de usar diversos canais, buscando mais pessoalidade, é uma boa alternativa para chamar sua audiência para atividades. “Eu envio uma newsletter para quem cadastrou e-mail no meu site, crio um evento no Facebook, publico o show no Bandsintown pro evento chegar nas plataformas digitais e convido amigos diretamente. Para divulgar os shows, quanto mais você interagir melhor, pois é um convite para chegar num local de celebração, de encontro”, pondera Tatá Aeroplano.
Neste cenário onde a atenção é dispersa e números, além de voláteis podem ser comprados, é preciso muita cautela com as expectativas. “São pessoas do outro lado das telas, com capacidades limitadas, seja pelo algoritmo, que é finito, ou por suas próprias humanidades”, lembra Flora.
“Tenha clareza que nem sempre o número de seguidores representa um número de fãs fiéis, que vão pagar por sua música. Não é porque você tem 1 milhão de seguidores que você vai esgotar show em estádio”, avisa Vida.
“No fim, atrás de um computador ou do celular tem uma pessoa, e ela é quem importa. O play no app de música não deve ser encarado como um fim, mas um meio para que o encontro off-line entre artista e a pessoa que ouviu a sua música aconteça”, conclui Luis.
*Conteúdo originalmente publicado no Blog da Tratore.
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