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O papel da cobertura da imprensa nas narrativas sobre feminicídio no Brasil
A palavra “feminicídio”, que tem suas raízes no movimento feminista, foi introduzida por Diana Russel, uma ativista sul-africana, durante o Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres em 1976. Ela destaca a motivação misógina por trás dos assassinatos de mulheres
Por Mayara da Costa e Silva, Universidade de Brasília (UnB)
A cada dia, uma mulher morre por ser mulher, conforme revela o relatório Elas Vivem: dados que não se calam, realizado pela Rede de Observatórios da Segurança. A maior parte desses crimes ocorre no ambiente doméstico, onde 75% dos agressores são os próprios maridos, namorados, companheiros ou ex-companheiros das vítimas.
Vivemos em uma sociedade em que a maior parte do que sabemos sobre o mundo vem de histórias que ouvimos ou lemos. Todos nós somos contadores de histórias por natureza, somos seres narrativos, o que significa que damos significado às coisas, representamos a realidade e compartilhamos experiências. Por isso, as histórias que contamos e as narrativas que criamos sobre o feminicídio são tão importantes.
E os meios de comunicação desempenham um papel crucial nessa narrativa, pois podem moldar a percepção pública sobre esse grave problema social. É, portanto, responsabilidade dos meios de comunicação relatar os casos de feminicídio de forma precisa, sensível e ética, destacando a gravidade do problema e promovendo a conscientização sobre suas causas e consequências.
Morta por ser mulher
A palavra “feminicídio”, que tem suas raízes no movimento feminista, foi introduzida por Diana Russel, uma ativista sul-africana, durante o Tribunal Internacional de Crimes contra Mulheres em 1976. Ela destaca a motivação misógina por trás dos assassinatos de mulheres.
Definido por Russel, em 2012, como “a morte de uma ou mais mulheres por um ou mais homens, simplesmente por serem mulheres”, o feminicídio abrange situações em que a vítima tinha ou tem uma relação íntima com o agressor, como cônjuges, ex-cônjuges, namorados ou amigos rejeitados.
Levantamento publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), em 2023, aponta que ao menos 10.655 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, entre os anos de 2015 e 2023. O levantamento também aponta que no ano de 2023, 1.463 mulheres foram vítimas de feminicídio no Brasil, um crescimento de 1,6% comparado ao mesmo período do ano anterior.
Em 2015, entrou em vigor a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/2015), que torna o crime um homicídio qualificado e o coloca na lista de crimes hediondos – crimes graves que não permitem fiança ou perdão de pena.
A lei aborda especificamente os casos de assassinato de mulheres pelo fato de serem mulheres. Considera-se feminicídio quando há histórico de violência doméstica ou se o crime é motivado por menosprezo à condição feminina. A lei classifica o crime como hediondo, com penas de 12 a 30 anos de prisão, podendo ser agravado em situações de vulnerabilidade, como gravidez ou presença de filhos.
No Brasil, a Lei do Feminicídio não foi a única implementada para combater a violência contra a mulher. Antes dela, em 2006, foi sancionada a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/2006), que visa proteger mulheres vítimas de violência doméstica, oferecendo medidas protetivas contra o agressor. Embora aplicável a qualquer relação íntima, sua eficácia é mais perceptível em contexto familiar.
Para entender por que essas leis são necessárias, é essencial adotar uma perspectiva de gênero. Isso envolve reconhecer que vivemos em uma sociedade patriarcal, onde o machismo é uma realidade. Esse sistema privilegia os homens e minimiza as mulheres, contribuindo para a perpetuação da violência contra elas.
Jornalismo: cuidados na narração de feminicídios
Diante desse problema social tão grave, fica a questão: qual é o papel dos meios de comunicação nas narrativas sobre o feminicídio?
Pesquisa realizada pelo Agência Patrícia Galvão, em 2019, e publicada no relatório Imprensa e Direitos das Mulheres: papel social e desafios da cobertura sobre feminicídio e violência sexual, avaliou a cobertura jornalística de casos de violência contra mulheres por 71 veículos de comunicação no Brasil.
Os resultados indicaram que, muitas vezes, o histórico de violência anterior e a situação das mulheres após o crime são omitidos, e o termo “feminicídio” é pouco utilizado. Além disso, é comum a divulgação dos nomes e fotos dos autores nos casos de violência sexual quando ainda são considerados suspeitos.
O jornalismo utiliza a narrativa para relatar os fatos do presente, empregando estratégias enunciativas para gerar efeitos de sentido para seu público. Ou seja, o jornalismo relata o que está acontecendo no momento. E faz isso usando estratégias de escrita que dão credibilidade e conferem um sentido de veracidade aos eventos relatados, como o emprego de advérbios de tempo e dos verbos no tempo presente (para fazer com que as informações tenham mais sentido para quem está lendo, ouvindo ou assistindo).
No entanto, é importante reconhecer que o jornalismo, ao escolher como representar a realidade, pode acabar dando mais destaque a certas perspectivas em detrimento de outras. Por isso, é vital que os jornalistas promovam discussões críticas sobre questões de interesse público, como é o caso da violência contra as mulheres.
Ao narrar feminicídios, o jornalismo desempenha um papel importante na formação de opiniões e na interpretação da realidade por parte do público, além de promover o diálogo sobre a questão. Portanto, é fundamental que os veículos de comunicação abordem o tema – que ainda precisa ser melhor compreendido – de forma clara e que entendam como suas narrativas são construídas e os significados que elas implicam, especialmente no que diz respeito aos direitos humanos.
É necessário, portanto, que o jornalismo adote cuidados essenciais ao narrar casos de feminicídios. Isso inclui:
- evitar dar ênfase à defesa do agressor, retratando-o de forma positiva;
- não negligenciar a vítima, que deve ser a protagonista da narrativa;
- abordar os casos sob a ótica dos direitos humanos;
- fornecer informações ao público sobre sobre como fazer denúncias e onde procurar ajuda, fornecendo os contatos dos canais de denúncia e de serviços como a Central de Atendimento à Mulher – Ligue 180;
- evitar romantização ou justificativas para a violência contra a mulher;
- usar o termo “feminicídio” sem substituições;
- dar voz às mulheres que foram vítimas de abuso ou violência, bem como às famílias das vítimas de feminicídio, permitindo que suas histórias sejam ouvidas e suas experiências compartilhadas com o público.
Tudo isso está em conformidade com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que estipula que é dever do jornalismo defender os direitos do cidadão, contribuindo para a promoção das garantias individuais e coletivas, especialmente das mulheres, e combater a perseguição e discriminação por motivos de gênero, entre outros.
Ao fazer isso, os meios de comunicação podem contribuir para mudar atitudes e comportamentos em relação ao feminicídio, ajudando a construir uma sociedade mais justa e igualitária.
Mayara da Costa e Silva, Doutora em Comunicação Social, Universidade de Brasília (UnB)
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