Desinformação nas redes sociais: teoria e prática

 Desinformação nas redes sociais: teoria e prática

Imagem Bing

Desinformação nas redes sociais: discurso antivacina aparece com frequência na plataforma de vídeos YouTube

Por Cesar Baima*

Concebidas de olho no potencial de agregar pessoas em torno de interesses comuns, as redes sociais tornaram-se uma das principais plataformas para disseminar desinformação no mundo atual. Sua tendência de gerar câmaras de eco e bolhas de informação estimula a criação e circulação de conteúdos que satisfaçam vieses e reflitam o raciocínio motivado dos integrantes das comunidades que reúne, de terraplanistas a teóricos da conspiração dos mais variados tipos. É um sistema que promove o engajamento e o recrutamento de novos adeptos, num processo em que lucram não só as empresas de mídia social como também, muitas vezes, os criadores e disseminadores de desinformação.

A pandemia de COVID-19 mostrou que este sistema também pode custar vidas. Diante disso, as empresas foram instadas a reforçar o combate à desinformação em suas plataformas, especialmente com relação à doença. E foi o que fizeram, pelo menos no papel. Levantamento do EU DesinfoLab, organização sem fins lucrativos europeia dedicada ao estudo e conscientização sobre o problema, identificou as políticas adotadas por cinco das maiores plataformas sociais do planeta – Facebook, Instagram, YouTube, TikTok e Twitter – para detectar e definir conteúdos falaciosos sobre saúde, e as ações adotadas.

Desinformação nas redes sociais: o Facebook na teoria

No papel, a Meta, controladora do Facebook e do Instagram, tem a política mais completa, com definições claras para determinação de conteúdos falsos ou de informação enganosa, inclusive com base em avaliações de organizações externas, como autoridades sanitárias e serviços de checagem de fatos; previsão para remoção ou rotulagem de conteúdo devido ao risco de danos físicos aos usuários da rede, incluindo o de contrair ou disseminar doenças e recusar vacinas; e supervisão do sistema por moderadores humanos.

Além disso, a empresa prevê restrições para a disseminação destes conteúdos pelos seus algoritmos, desmonetização da sua veiculação e um sistema de advertências que pode levar ao banimento das páginas ou contas que publiquem desinformação repetidamente.

Em suas políticas, a Meta também diz não aceitar impulsionar conteúdos (publicidade) que promovam desinformação em saúde, incluindo “desencorajar a vacinação, discriminação baseada em deficiências, condições médicas ou genéticas, e conteúdo ofensivo baseado em deficiência ou doenças graves; conteúdo enganoso (resultados irreais relacionados à saúde); substâncias perigosas; e conteúdo questionável (atributos ou aparência pessoais relacionados à saúde e exploração comercial de crises)”.

Facebook na prática

Uma breve busca pelas plataformas, no entanto, mostra que o que consta do papel está muito distante da prática. Comunidades no Facebbok como a intitulada “Não Vacinados”, que se descreve como um “grupo de apoio para aqueles que se sentem oprimidos e coagidos pelo Estado a fazer uso de uma substância experimental”, prometendo trazer “a verdade sobre a ‘picadinha’ e os seus efeitos colaterais”, funcionam livremente.

Criada em 10 de setembro de 2021, a página, com quase mil membros, traz postagens diárias de conteúdos antivacina e teorias conspiratórias relacionadas, além de exemplos do fenômeno de contágio ideológico, como conspiracionismo associado às eleições presidenciais brasileiras de 2022. Denunciada em 7 de julho de 2023, continua no ar normalmente quando da publicação deste artigo, uma semana depois, sem resposta da plataforma ou de seus moderadores.

Homeopatia

Ainda no Facebook, o grupo “Homeopatia – Perguntas e respostas” traz seguidas indicações de uso da prática pseudocientífica para tratar condições graves que vão do câncer a transtorno bipolar, além de ofertas de produtos como “travesseiros de grafeno” com promessas de tratar “dores nas costas e no pescoço”, e que “ainda rejuvenesce sua pele e cuida do seu cabelo”.

Sem contar cursos de formação de “terapeutas” holísticos e/ou integrativos, incluindo um em 70 práticas do tipo por módicos R$ 67. Também denunciada à plataforma, a página criada em 2 de junho de 2016 e com 6,8 mil seguidores também permanece no ar.

Também marcam presença na plataforma empresas criadas com a intenção de lucrar com a desinformação em saúde, como a Jolivi. Tema de recente “Dossiê Questão” publicado por esta Revista Questão de Ciência em parceria com a revista “Veja Saúde”, a empresa fundada por um trio de empreendedores do mercado financeiro nacional em 2015 vende acesso a “protocolos” que prometem curar doenças como Alzheimer, câncer e diabetes, entre outras condições, fazendo uso de uma técnica de escrita persuasiva conhecida como “copywriting”.

Também chamada simplesmente de “copy”, esta técnica lança mão de apelos emocionais e conspiracionismos do tipo “saiba o que a indústria farmacêutica não quer que você saiba”, além de outras táticas de desinformação, para oferecer suas newsletters e supostos protocolos de tratamento que em geral saem por R$ 970 cada. No Facebook, a Jolivi contabiliza 290 mil seguidores, enquanto no Instagram são pouco menos de 86 mil atualmente.

A seguir na adoção dos parâmetros observados no levantamento do EU DesinfoLab vem o TikTok. À diferença das plataformas da Meta, a rede social de origem chinesa, focada em vídeos curtos, mantém parcerias com organizações de checagem de fatos para a identificação e emissão de alertas sobre postagens suspeitas, além da inclusão de banners em vídeos e buscas por temas relacionados à COVID-19.

Sua política de remoção de conteúdos, porém, só cobre casos em que eles coloquem em “risco de danos significativos” indivíduos e sociedade, não incluindo “informação simplesmente imprecisa e mitos”, o que permite encontrar facilmente vídeos com discurso antivacina ou conspiracionista na plataforma.

Desinformação nas redes sociais: YouTube

Já o YouTube, controlado pela Google, também pecaria pela ausência de parcerias com organizações de checagem de fatos, segundo o levantamento do EU DesinfoLab.

Mas apesar de a plataforma ter como política a remoção de vídeos que “promovam tratamentos perigosos” e que “contradigam o consenso de especialistas e as recomendações das autoridades sanitárias” – incluindo a segurança e eficácia de vacinas aprovadas por agências reguladoras – o discurso antivacina aparece com frequência na rede, muitas vezes disfarçado de conteúdo jornalístico em canais supostamente informativos que trazem entrevistas com figuras de destaque deste movimento obscurantista.

Sem contar que, novamente, a Jolivi e seus vídeos de promoção de falsas curas também marcam presença na plataforma, com um canal com mais de 1,1 milhão de assinantes.

Twitter

Fechando o levantamento do EU DesinfoLab, o Twitter é o “patinho feio” do grupo, já no papel. A rede social adquirida em outubro do ano passado pelo bilionário Elon Musk extinguiu a iniciativa de combate à desinformação sobre a COVID-19 menos de um mês depois do fechamento do negócio e hoje mantém em vigor apenas uma “política de desinformação em crises” que engloba “emergências em saúde pública”.

Esta política, no entanto, não é aplicada sobre “anedotas pessoais ou relatos em primeira pessoa”, deixando caminho aberto para a atuação de milhares de contas identificadas ou anônimas, verificadas ou não, atacando a vacinação não só contra a COVID-19 como outras doenças e todo tipo de discurso negacionista e/ou conspiracionista.

Cesar Baima é jornalista e editor-assistente da Revista Questão de Ciência

Publicado originalmente na Revista Questão de Ciência com o título “Combate à desinformação nas redes sociais: teoria e prática”

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