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A ciência não é negada, mas sim disputada pelos negacionistas, diz Carlos Orsi
O jornalista escritor, e editor-chefe da Revista Questão de Ciência, Carlos Orsi, fala sobre seu livro mais recente, “Negacionismo & Desafios da Ciência”, e das características dos movimentos negacionistas da atualidade
Por AD Luna
“Negacionismo, ou seja, a atitude de recusar fatos e verdades da ciência e da vida real, acompanha o ser humano desde a Antiguidade. No último século, foi abraçado não só por grupos que se põem à margem da sociedade, mas adotado como estratégia por representantes de interesses econômicos e políticos poderosos. Quando ataca a ciência, o negacionismo joga de forma desonesta com a dúvida e a incerteza inerentes ao processo científico”.
O texto acima é de Carlos Orsi, convidado da edição #35 do programa InterD – ciência e cultura, veiculado na Universitária FM do Recife e disponível nas principais plataformas de streaming. Orsi fala sobre seu livro mais recente, “Negacionismo & Desafios da Ciência”.
Carlos Orsi é jornalista, escritor, e editor-chefe da Revista Questão de Ciência, publicada pelo Instituto Questão de Ciência, do qual é cofundador e diretor. O IQC é presidido por Natália Pasternak, doutora em microbiologia pela USP e divulgadora científica.
Ele trabalha com comunicação de ciência há quase 30 anos, foi um dos pioneiros no desenvolvimento de material de divulgação científica para internet em língua portuguesa no Brasil. É autor de livros de ficção, ficção científica, terror e mistério e, principalmente, divulgação científica “sob um viés cético e crítico”.
E o que isso quer dizer?
Orsi explica que é possível fazer divulgação científica de ótima qualidade apenas discutindo e apresentando a beleza da ciência, explicando como as estrelas geram energia e assim por diante. Mas, para ele, é também necessário apresentar como ela funciona, expor as coisas que fingem ser ciência, que querem ter o prestígio da ciência, mas não pagam o preço, não fazem o trabalho necessário para realmente serem validadas como ciência.
Ouça e leia a entrevista com Carlos Orsi.
INTERD – O que o motivou a escrever o livro “Negacionismo e desafios da ciência” e, em linhas gerais, como ele está organizado?
CARLOS ORSI – “Negacionismo e desafios da ciência”, publicado pela Editora de Cultura, é curto, bem direto e seco. Basicamente, é um livro que trata do negacionismo, como o título diz, sob os vieses histórico e psicológico. Por que as pessoas caem nessas coisas, o que que eu como, quais são as manobras, os truques de marketing que os os promotores do negacionismo usam.
E filosófico, por que os negacionistas muitas vezes usam detalhes, tirados de contexto, da própria filosofia da ciência para tentar fazer com que suas posições soem ou tenham aparência de serem razoáveis ou que merecem de repente ser levadas a sério etc. Eu já havia escrito, em parceria com a Natália Pasternak, o “Contra a realidade”, que já tratava de negacionismo, mas de casos específicos: o negacionismo do aquecimento global, do holocausto e assim por diante.
O “Negacionismo e desafios da ciência”, que escrevi sozinho, trata mais da parte teórica do negacionismo, digamos assim. Como o negacionismo é, como se estrutura e que tipos de ferramentas, de armas, os promotores do negacionismo usam para entrar na cabeça das pessoas.
INTERD – De maneira geral, o que caracteriza os negacionismos dos nossos tempos?
CARLOS ORSI – O negacionismo sempre existiu, é parte da natureza humana. Nesse livro, cito alguns exemplos da literatura clássica, de historiadores dos tempos da Grécia Antiga e de Roma, que já detectavam esse tipo de fenômeno em sua sociedade.
Mas acho que o negacionismo contemporâneo possui três características principais. Primeiro, principalmente no que diz respeito à ciência… O negacionismo antigo era mais, digamos assim, histórico ou até político: pessoas que se negavam a aceitar que o país delas tinham perdido uma guerra ou algo assim. Hoje em dia, o negacionismo se volta muito mais para fatos científicos.
A segunda questão do negacionismo contemporâneo, mesmo sendo científico, é que ele é muito radicalizado politicamente. Vamos pegar um negacionismo bem caricatural: o que nega a forma da Terra. Não existiria razão para o terraplanista ser de direita ou de esquerda ou ter algum tipo de paixão política. Mas, hoje em dia, a gente tem um negacionismo de fatos científicos e que é extremamente radicalizado politicamente.
A terceira característica muito particular do negacionismo contemporâneo é que ele se autolimenta. O que quero dizer com isso? Na década de 1950, se você fosse um terraplanista, teria uma vida um pouco difícil, as pessoas iram te achar esquisito, você teria dificuldade em encontrar amigos, se sentiria um peixe fora d’água.
Os negacionistas acabavam sendo empurrados para a margem. Eles não tinham redes sociais, nos dois sentidos. No sentido mais geral da palavra, de as pessoas se organizarem, e aquelas como os twitters, facebooks, instagrams que a gente tem hoje.
Atualmente, o negacionismo migrou da margem mais para o centro do debate público. Eles são mais influentes, não são mais só um grupo excêntrico que não influencia os rumos da sociedade. E, dada as possibilidades que as redes sociais abrem, hoje os negacionistas não precisam mais se sentir marginalizados.
Eles formam seus grupos, organizam-se nas chamadas câmaras de eco e muitos deles nem percebem, talvez, que estão fora da corrente principal da opinião pública, fora do consenso científico etc.
INTERD – Por que a ciência é tão atacada por negacionistas?
CARLOS ORSI – Eu não diria que a ciência é atacada pelos negacionistas, acho que a ciência é disputada pelos negacionistas. Dizem [por exemplo] que a verdadeira ciência das vacinas não é essa que sai nas grandes revistas científicas, que as autoridades sanitárias promovem, que a imprensa divulga.
Eles disputam o que é a “verdadeira ciência”. Querem conquistar para si o rótulo de “ciência legítima”. Mas obviamente não é, porque as autoridades acadêmicas, científicas, políticas, que acabam decidindo qual é a ciência que merece ser levada a sério, não levam a deles a sério.
Daí eles caem em teorias da conspiração enormes envolvendo Big Farma, Big Business, Big Space, no caso dos dos terraplanistas, e assim por diante.
Então acho que eles não atacam a ciência. Eles reconhecem a autoridade da ciência, sabem que uma coisa ser [considerada] científica tem um valor. [Portanto] o que eles querem é sequestrar esse valor para suas crenças.
INTERD – De que forma negacionismo e pseudociências estão relacionados?
CARLOS ORSI – Isso é algo que tem muito a ver com o que falei anteriormente. Os negacionistas disputam a ciência, eles querem o selo de qualidade da ciência para as crenças deles.
O que é exatamente o que os pseudo cientistas sempre fizeram. A pseudociência nasce, surge, quando a ciência se torna um valor social. Quando as pessoas, a sociedade, os governos, as populações, a opinião pública, começam a considerar que ser científico é algo que merece ser levado a sério, importante, é mais lógico acreditar do que duvidar e assim por diante.
Então, quando esse rótulo científico se reveste desse poder, dessa aura, a pseudociência surge querendo o rótulo para as suas crenças, para si mesmo, sem fazer o trabalho, né? Sem fazer o esforço de realmente ser ciência, de analisar as evidências de forma imparcial, produzir resultados experimentais, analisar dados de forma imparcial, procurar explicações alternativas. Todo o trabalho duro de fazer e produzir ciência.
A pseudociência já tem a conclusão dela e quer que essa conclusão seja considerada científica. Não importando as evidências, o que os fatos digam.
E o negacionismo, quando entra nessa história de querer disputar o rótulo de ciência, faz a mesma coisa. Na verdade, ele se alimenta de pseudociências e as promove.
INTERD – Devido a atuação de líderes e seguidores de políticos como Trump, Orban, Bolsonaro, entre outros, o negacionismo científico está mais associado à direita. Mas existem negacionismos científicos na esquerda? De que forma os negacionismos se manifestam no campo político?
CARLOS ORSI – Os negacionismos científicos, hoje, estão muito ligados à paixão política. Até por causa dessa questão do valor social da ciência. Quer dizer, um governante que ignora a ciência, toma decisões que contrariam fatos científicos, é visto como um mau governante, como um governante maluco, um cara que não sabe o que está fazendo, um irresponsável.
Dizer que a ciência concorda, que a ciência suporta, que a ciência apoia, o que o seu líder está promovendo, fazendo, vira parte do discurso de legitimação política.
Então, quando os negacionistas entram na disputa pelo rótulo científico, pelo direito de se considerar científico, de se considerar a favor da ciência, eles o fazem exatamente em apoio a líderes e à ideologia.
Isso acontece tanto na direita quanto na esquerda. Classicamente, os negacionismos mais vinculados à esquerda sempre foram [aqueles] contra a segurança da biotecnologia. (Não é que toda biotecnologia já nasça automaticamente segura. Mas, depois que ela é criada, estudada, analisada e submetida a testes, e chega-se à conclusão que é segura, não tem por que sair por aí espalhando pânico, de que esse tomate transgênico vai te transformar num ET, alguma coisa assim).
A esquerda sempre teve muita dificuldade – ou setores da, não ela como um todo – em aceitar que certas tecnologias são úteis, necessárias e seguras.
Mesmo o movimento antivacinas, clássico, nos Estados Unidos, onde ele existe de forma endêmica há várias décadas, tradicionalmente era um negacionismo vinculado a setores progressistas, considerados mais à esquerda da sociedade.
A migração do movimento antivacinas para a direita é um fenômeno que já está sendo estudado e é curioso.
E completando, o que está acontecendo… (e eu acho preocupante na prática e interessante em teoria) é, na verdade, uma convergência de negacionismos nos extremos do espectro político.
Há algum tempo foi publicado um estudo sobre teoria de conspiração, que estão sempre muito próximas do negacionismo, sobre prevalência de teorias de conspiração ao longo do espectro político. E o que os pesquisadores encontraram foi uma curva em forma de U. Ou seja, a crença em teorias da conspiração é alta nos dois extremos do espectro político e ela cai, à medida que a gente vai se deslocando pro centro.
Eu acho que essa curva em U mostra que o negacionismo e o conspiracionismo não são exclusivos de uma ideologia. Eles se tornam perigosos quando os extremos ideológicos chegam ao poder, porque os extremos chegam com suas teorias malucas e seus negacionismos. Mas não dá para botar todo o mal do negacionismo na conta da direita.
O que acontece é que, conforme a história vai avançando, às vezes é um grupo que tem mais poder, tem mais oportunidade de fazer mal e às vezes é outro. Nós estamos numa fase da história do Ocidente, Europa e Américas em que a direita está tendo grande projeção (a direita até bem pouco tempo atrás, né? Trump e Bolsonaro saíram do poder não faz tanto tempo), mais condições de fazer mal. Os negacionismos da direita eram os que tinham mais chance de fazer mal. Se a roda da história virar, talvez venham a ser os de esquerda.
A gente tem que estar de olho em todos.
INTERD – Bom, muito obrigado, Carlos Orsi, por sua participação. Fala pra gente com as pessoas podem comprar o seu livro.
CARLOS ORSI – Queria agradecer pela oportunidade de estar aqui, de falar com você, com seus ouvintes. Meus livros estão à venda, como se dizia antigamente nas boas casas do ramo, nos dias de hoje dá para dizer nos bons websites do ramo. Tanto os meus solo, quanto os que eu escrevi em parceria com a Natália [Pasternak].
O mais recente, “Negacionismo e desafios da ciência”, ainda não existe como e-book. Mas a edição em papel é fácil de encontrar, senão na sua livraria física, certamente na sua livraria virtual favorita. E, de novo, meu muito obrigado pelo interesse no meu trabalho e pela oportunidade de falar com vocês.
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