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Fenômenos religiosos são tratados com especial indulgência e condescendência, diz Carlos Orsi
“Vivemos numa sociedade que trata fenômenos religiosos com especial indulgência, com especial condescendência”. A crítica do escritor e editor-chefe da revista Questão de Ciência, Carlos Orsi, a essa tolerância que se observa na sociedade brasileira foi exposta na edição #12 do programa InterD – música e conhecimento, em entrevista ao apresentador, músico e jornalista AD Luna. Além da íntegra do áudio da entrevista, publicamos a transcrição da conversa.
Orsi relançou uma nova versão do seu “O Livro dos Milagres: O que de fato sabemos sobre os fenômenos espantosos da religião”, pela editora UNESP. A obra do jornalista Carlos Orsi busca facilitar o acesso do público às conclusões científicas sobre esses eventos tidos como “espantosos” ou “inexplicáveis”.
Leia trecho da entrevista. Para acessar a versão completa, clique aqui.
Na sua visão, por que a imprensa e a sociedade brasileira são tão condescendentes com os fenômenos religiosos, tidos como milagrosos ou sobrenaturais, se a gente dá uma olhada aí nesses programas de TV evangélicos, cheios de “milagres”?
Olha, a imprensa brasileira é condescendente com as alegações milagrosas, quando não reverente – condescendente ou reverente, dependendo do órgão de imprensa, da tradição do veículo -, porque a imprensa é parte da sociedade, a imprensa reflete os valores sociais.
E nós vivemos numa sociedade que trata fenômenos religiosos com especial indulgência, com especial condescendência porque existe esse senso comum, esse consenso social de que religião, no geral, é uma coisa boa.
E as pessoas que acreditam em valores religiosos, em crenças religiosas são pessoas mais éticas e são pessoas mais felizes, e, então, nós temos que alimentar esse tipo de sentimento porque esse sentimento traz consolo e impõe freios éticos. Eu obviamente discordo disso.
Eu acho que, realmente, religião pode trazer consolo e impor freios éticos para algumas pessoas, mas eu não acho que as pessoas precisem de religião para encontrar consolo nas tragédias da vida, nem para encontrar limites éticos, e que tem alternativas que trazem os mesmos benefícios que a crença religiosa e nenhum dos malefícios.
Entre os malefícios está a aceitação acrítica de afirmações feitas sem evidência, a obediência acrítica a figuras de autoridade, só porque essas figuras têm um certo carisma e se dizem porta-vozes de certas forças sobrenaturais.
Então eu acho que… condescendência não é exatamente a palavra… acho que a indulgência ou a deferência especial dada pela sociedade brasileira à religião vem disso.
Dessa ideia de que é melhor com religião do que sem ela, e de que você não pode tirar das pessoas uma fonte de consolo – e talvez de normas éticas de comportamento.
Mas aí a gente cai no que eu gosto, um paradoxo que vem da Grécia antiga, que é os deuses amam o que é certo porque essas coisas são certas ou as coisas são certas porque os deuses as amam?
Se é o primeiro, se o certo existe e os deuses gostam do que é certo, então você pode fazer só o que é certo, não precisa de nenhum deus pra te dizer isso.
Por outro lado, se as coisas só são certas porque os deuses dizem que elas são certas, então deus pode decretar que matar os outros é certo, que mutilar crianças é certo, que sacrificar pessoas é certo, e a gente sabe que isso acontece.
Ao longo da história, isso já aconteceu várias vezes… os deuses podem decretar que votar no Bolsonaro é certo, enfim, coisas do gênero. Então eu acho que é mais fácil a gente assumir que o certo é certo e nós não precisamos de nenhuma autoridade sobrenatural para nos dizer isso, do que ficar esperando que os porta-vozes das autoridades sobrenaturais nos digam o que é certo, porque esses porta-vozes podem acabar dizendo muita besteira.
O que fazer a respeito? Eu acho que tem ações políticas e ações individuais. Ações individuais é o que eu tento fazer, que é fazer com que a informação correta circule.
Por exemplo, como no caso dos milagres, explicando que supostos milagres não são razão para acreditar no que autoridades religiosas dizem. E mostrar que existem alternativas, que é possível viver uma vida ética sem esse tipo de crença.
E alternativas políticas são agir politicamente para reduzir a influência que essas denominações, organizações, igrejas, etc. têm no cenário. Porque elas têm alguns tipos de influência que não são exatamente legítimos.
Por exemplo, canais de TV, que são concessões públicas, no caso da TV aberta, arrendam horários inteiros para propaganda religiosa, o que, ao pé da letra, não é exatamente legal.
O arrendamento de concessão pública, ou seja, você tem a concessão e você se compromete a usar para promover educação, entretenimento, etc., e você terceiriza essa responsabilidade que o Estado te deu para uma igreja.
Isso não é exatamente uma coisa correta de se fazer, então agir politicamente para expor essas situações e lutar no campo democrático para tentar acabar com esse tipo de situação dúbia, de situação que, se não é exatamente ilegal, é uma violação do espírito do princípio da concessão pública. A concessão é sua, não é da igreja, então por que você está empurrando seu espaço pra ela?
E eu acho que são esses dois caminhos. O da comunicação, da informação, de fazer com que as pessoas circulem, que elas percebam que existe vida fora da religião, que opiniões religiosas são só um outro tipo de opinião. Se você pode contestar um partido político, se você pode contestar uma corrente literária, por que você não poderia contestar uma igreja?
E atuar politicamente para apontar e tentar minar as vantagens indevidas que essas organizações têm. E essa segunda parte é muito mais difícil, mas, enfim, democracia é isso. É reconhecer problemas e reunir forças para levar as questões para o debate público e para disputar no voto. A gente tem que se preparar para fazer isso.
O livro dos milagres: O que de fato sabemos sobre milagres e outros fenômenos espantosos da religião”
O objetivo deste livro é facilitar o acesso do público às conclusões científicas acerca de eventos tidos como milagrosos, com explicações e contextualização. Fontes são citadas e, sempre que possível, um pouco do ambiente histórico que cercou cada caso e investigação é descrito, para ajudar na compreensão e oferecer um pouco de cor e perspectiva.
A principal motivação da obra é o argumento feito no século XIX pelo matemático William Clifford em seu ensaio A ética da crença: aquilo que você acredita ser verdade influencia as decisões que você toma, e com isso, o efeito que você tem sobre as pessoas ao seu redor e a sociedade em geral.
Para o autor, muitas pessoas tomam decisões importantes sobre suas vidas, e sobre as vidas dos que lhes são próximos, baseando-se em mitologia travestida de história, em metáforas levadas a sério demais, em superstição posando como dado concreto.
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