Por Ana Arnt*
Depoimento concedido a Sarah Schmidt
Quando vi que a galera do movimento K-pop [gênero musical da Coreia do Sul muito popular entre jovens no Brasil] abraçou a nossa campanha Todos pelas Vacinas, que divulga a importância da vacinação contra a Covid-19 e outras doenças, pensei: “Acho que a coisa vai andar”. Eles são muito organizados, estabelecem metas nas redes sociais com quantidade de tuítes, likes e postagens que querem atingir.
No horário oficial do lançamento da campanha, às 14h do dia 21 de janeiro, eles começaram a repostar nossos conteúdos e em menos de meia hora a hashtag #TodosPelasVacinas estava nos Trending Topics [os assuntos mais falados do momento] do Twitter, onde recebemos cerca de 40 mil menções.
No TikTok, nossa hashtag reuniu mais de 30 mil vídeos. Fiquei chocada com a organização e o poder de mobilização desses adolescentes. Foi um dia bem cansativo, ficamos mais de oito horas em frente ao computador distribuindo conteúdos.
Comecei a ajudar na preparação da campanha duas semanas antes do lançamento. Fui convidada pela bióloga da Universidade de São Paulo [USP] Flávia Ferrari, uma das coordenadoras do Observatório Covid-19 BR.
Foi então que descobri que tinha um grupo bem grande por trás da Todos pelas Vacinas, formado por organizações como a União Pró–Vacina, a Equipe Halo, o Projeto Divulgar, a Rede Análise Covid-19 e a Eu e as plantas. Esse foi o pessoal que mergulhou de cabeça, depois vieram outros colaboradores.
Entrei na organização com a equipe que administra o Blogs de Ciência da Unicamp, projeto de divulgação científica cuja coordenação herdei da Vera Toledo, que se aposentou do Labjor [Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo da Unicamp] em 2019.
Foi um trabalho intenso, com os preparativos de materiais para a campanha como textos, informações para a imprensa, vídeos, áudios, posts para redes sociais. Isso tudo com a ajuda do núcleo principal do Blogs, formado por 16 pessoas.
Precisei perder a vergonha de abordar pessoas famosas, fizemos contato com artistas e influenciadores da internet, para engajá-los na campanha.
A cartunista Laerte produziu uma arte; contamos com a participação da atriz Denise Fraga; o pessoal do Porta dos Fundos produziu um esquete; ex-integrantes do Boca Livre leram um trecho de uma poesia que escrevi, chamada “Tempo de acreditar”.
A repercussão cresceu e até saímos no Jornal nacional. O cantor MC Fioti, que gravou o remix do funk da Vacina do Butantan, também aderiu à campanha e fez um vídeo entrevistando o Daniel Bargieri [coordenador do Núcleo de Pesquisas em Vacinas da USP] sobre a importância da vacinação.
Estamos recebendo vídeos e material até agora e inserindo no site oficial. Isso é importante porque a campanha vai continuar e estamos criando conteúdo.
Foi bonito ver vários grupos trabalhando juntos para alcançar um objetivo comum. Essa foi uma lição que a campanha me trouxe: a divulgação científica precisa dialogar mais com as pessoas e ser um processo coletivo.
Também compus a letra da música-tema da Todos pelas Vacinas junto com meu afilhado, Gustavo de Medeiros, que é músico e mora em São Paulo. Estamos todos nos cuidando e praticando o isolamento social, mas resolvemos nos encontrar no aniversário do meu irmão para um jantar.
Antes disso, fizemos uma quarentena de 15 dias. Nesse jantar acabamos criando a música – meu afilhado elaborou a melodia e fomos construindo juntos. Foi bom fazer isso em família, com pessoas que também estão se cuidando e que têm visões parecidas sobre políticas públicas. Estávamos escrevendo sobre algo que consideramos muito importante.
Venho de um ritmo intenso de trabalho no Blogs de Ciência da Unicamp desde março de 2020. Na segunda semana do mês, pouco antes de encontrar meus alunos da Pós-graduação em Genética e Biologia Molecular, recebi um e-mail da universidade avisando que as aulas seriam suspensas por causa da pandemia.
Lembro que cheguei na sala de aula e disse a eles: “As aulas precisam parar por enquanto, mas talvez seja algo que dure apenas duas semanas…”. Como a Unicamp foi a primeira universidade pública a suspender suas atividades presenciais, tivemos um tempinho e começamos a estudar mais sobre o vírus. Em alguns dias nos organizamos e já no dia 21 de março pusemos no ar o Especial Covid-19 do Blogs.
Logo em seguida procuramos os professores que estavam montando a força-tarefa Unicamp contra a Covid-19, como o Alessandro Farias [chefe do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia], para conversar e pensar em conteúdo.
O Blogs tem basicamente dois produtos: a revista eletrônica e o projeto de divulgação científica dos blogueiros, que são pesquisadores da universidade. Temos 110 blogs ativos no momento.
Para o especial da pandemia, convidamos nossos blogueiros mais assíduos para ajudar na produção de conteúdo com questões relacionadas às suas áreas de pesquisa – tivemos contribuições da antropologia, da economia e da educação. Nosso objetivo não era falar apenas da doença em si, mas trazer a perspectiva de outras áreas do conhecimento.
Passamos a procurar também os primeiros autores de artigos científicos, principalmente da biologia, para comentarem sobre seus trabalhos.
Entrei em contato com os alunos que estavam trabalhando com algum aspecto da Covid-19 e muitos que não puderam voltar para os laboratórios porque moravam com pessoas do grupo de risco começaram a produzir conteúdo para nós.
Eles conseguiam ler os artigos científicos com muito mais rapidez do que eu e produziam os textos, enquanto eu e outras colegas da equipe fazíamos a revisão. Se o assunto fosse de uma área que não conhecíamos, eu enviava o texto para outra revisão.
Continuamos atualizando o especial, mas claro que algumas áreas perderam o gás. As pessoas se cansam e também vão tocando suas vidas, porque muitas pesquisas não pararam. Muita gente voltou a produzir conteúdo para seus blogs nas áreas específicas em que trabalham, mas a equipe central não parou a cobertura especial da pandemia.
Nesse meio tempo nos embrenhamos no mundo da pesquisa sobre divulgação científica, para refletir sobre o que ela é, como tem sido feita. Vamos repensar o Blogs como um grupo de pesquisa, ensino e extensão.
A divulgação científica não é um paliativo, ela precisa atravessar os projetos de pesquisa e ser parte deles desde o início, como pano de fundo. Não é uma prestação de serviço, não é só um post no Instagram ou no blog: é um processo de compreensão da ciência para um público não especializado. Precisamos pensar em método científico e em como falar dele em cada etapa do trabalho.
Também tenho um projeto sobre a percepção da ciência e seu ensino por estudantes e docentes do ensino médio. Toda a pesquisa envolvia o contato com alunos e professores de uma escola da periferia, então por enquanto está parada. É impossível falar com os alunos, que não têm acesso a uma boa internet. Agora estamos retomando o contato com alguns professores.
Também dou aulas on-line na graduação e na pós-graduação no Instituto de Biologia da Unicamp. Minhas disciplinas abordam história da ciência e genética e temas transversais em biologia, como corpo, saúde sexual e reprodutiva, saúde pública e coletiva. Também ensino produção de texto e divulgação científica para os alunos de graduação.
Dar aula on-line me consumiu um bom tempo de organização mental. No início da pandemia, foi muito difícil aceitar que 70 pessoas estavam dentro do meu quarto, assistindo minhas aulas, e que, ao mesmo tempo, eu estava no quarto de 70 pessoas. Para mim não foi trivial. É uma forma agressiva de invasão da privacidade e não foi algo muito simples de lidar.
Minha casa virou meu escritório e isso foi me incomodando. Já mudei a disposição das coisas no meu quarto umas 10 vezes. Perdi um pouco o prazer de ler poesia, literatura, porque parece que estou – e estou – dentro do meu escritório. Essa pandemia me roubou esse prazer.
Com isso também tenho escrito pouca poesia, algo que comecei a fazer desde o final do meu doutorado em educação na UFRGS [Universidade Federal do Rio Grande do Sul], em 2013. Sou uma pessoa inquieta e preciso colocar para fora o excesso de coisas que tenho dentro de mim. Há anos mantenho o perfil Notas Não Aleatórias no Instagram, onde combino poesia e fotografia. Mas ele anda meio parado. A pandemia levou um tanto da minha inspiração.
Moro em uma república em Campinas com dois amigos e recentemente minha mãe veio morar com a gente. Também temos quatro gatos. Estamos mantendo o isolamento social e criamos um esquema de regras comuns para todos – costumamos brincar que nossa casa é a mais isolada de Barão Geraldo. Recentemente, como tivemos contato com parentes próximos que também estavam se mantendo isolados e com os números de casos aumentando, decidimos usar máscaras dentro de casa.
Para me preservar, tomei a decisão de praticar também o isolamento social virtual nas minhas redes sociais particulares. Parei de acompanhar todos os contatos que de alguma maneira não se conduzem de acordo com a ciência, que estão saindo, curtindo.
Foi uma decisão dura, mas criei uma bolha de saúde mental. Como combater o negacionismo faz parte do meu trabalho, e para isso eu uso as redes sociais oficiais do Blogs, minha opção é não ter negacionistas nas minhas redes pessoais. Com isso consegui ter o acolhimento no âmbito pessoal e, no profissional, lutar.
Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND. Leia o original aqui.
*Ana Arnt é professora e bióloga do Departamento de Genética, Evolução, Microbiologia e Imunologia do Instituto de Biologia (DGEMI-IB) da Unicamp e do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática (Pecim)
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